São Paulo, terça-feira, 08 de agosto de 2006

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SERGIO COSTA

Carisma e poder

RIO DE JANEIRO - Carisma é um dom que faz alguém "encher o templo" quando chega. A definição, dita em 78 rotações como era seu costume, é de Darcy Ribeiro, numa conversa sobre Brizola nos anos 80. Mas pode se aplicar a outros. Todo mundo conhece gente a quem se atribui a "alegria da festa". São esses os mortais que têm carisma.
Anos depois da conversa com Darcy, entendi perfeitamente o que ele quis dizer quando vi Fidel Castro entrar no salão principal da Rio-92. Trabalhava ali, atrás da mesa do chefes de Estado, ao lado de jornalistas de vários países, com a missão de reproduzir debates para os boletins da ONU quase em tempo real. Ainda eram impressos.
Ninguém nos via. Collor chegava sempre com seus passos marciais e nem sequer dava bom dia a alguém. Vários líderes desfilavam à nossa frente, indiferentes a quem estava ao redor. Até que, após uma varredura de seguranças, entrou Fidel.
Dava para pegar no ar a excitação que tomou conta do plenário. Fidel havia "enchido" um templo repleto de lideranças de países infinitamente mais poderosos e ricos do que Cuba. Indiferente ao burburinho que causou, mesmo entre chefes de Estado, sentou-se ao nosso lado antes de sua presença ser anunciada. Perguntou o que fazíamos, brincou com a brilhantina que reluzia na cabeça do Collor, contou piadas, fez graça com as moças, apertou a mão de um por um e foi se sentar à mesa.
Só outro "comandante" fez ali a mesma coisa: George Bush, o pai, chefe da maior máquina de guerra do mundo: o Exército americano. Bush foi bem simpático com a nossa turma de Babel: bateu papo e contou algumas anedotas em que ria antes da platéia. Até hoje não sei se ele fez isso por causa do Fidel, mas é bem possível. Só não teve o mesmo efeito. Carisma não vem de vale-brinde com o poder.


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