São Paulo, terça-feira, 08 de agosto de 2006

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Mensagem econômica incômoda

TODAS AS principais correntes de opinião no país são co-responsáveis hoje pelo descaminho do debate a respeito de nosso rumo econômico. No meio dessa desorientação, confie a nação em si mesma. Erram os ideólogos e economistas de esquerda quando bradam contra o superávit primário e clamam por menos disciplina fiscal para fazer o Brasil crescer. Esse Keynesianismo vulgar, fora de época e de contexto, ignora verdade incômoda: não há alternativa produtivista que não exija margem de manobra do governo diante dos detentores do capital. Nas condições de hoje, o superávit tanto pode servir para efetuar rendição aos rentistas como pode servir para libertar o governo da dependência deles. Sem realismo fiscal, não há alternativa real. Erram os economistas e ideólogos da seudo-ortodoxia importada quando recomendam a agenda de "reformas" do agrado de investidores e credores. Esquecem outra verdade incômoda: nos últimos 200 anos, nenhum país grande ascendeu sem dar primazia aos interesses da produção e do trabalho; sem capacitar, por meio da educação pública, sua população; sem ousar na criação de instituições inovadoras para mobilizar seus recursos e equipar seus cidadãos e sem rebelar-se contra as fórmulas patrocinadas pelas potências dominantes da época. Erram os empresários quando exigem a queda dos impostos. Batem-se contra uma verdade incômoda: as dinâmicas da dívida pública interna e da desigualdade econômica e social convergem para inviabilizar, por enquanto, queda substancial da carga tributária. Arrecademos e gastemos melhor. Para termos, porém, governo com meios para investir em grande escala nos brasileiros, precisaremos continuar pagando muito imposto. Ainda que reduzamos drasticamente os juros da dívida pública. Faz parte do preço de nossa desigualdade. Erram os que querem esquecer o presente para tratar só do futuro, por meio da educação. A verdade incômoda é que não haverá futuro que preste, nem dinheiro ou poder para educar, enquanto continuarmos dentro da camisa-de-força econômica em que estamos, paralisados. Cortemos a seudo-ortodoxia ao meio. Reafirmemos a parte indispensável: o realismo fiscal. Joguemos fora a parte venenosa: o conformismo institucional. Usemos o poder e o dinheiro do Estado para construir novo modelo de desenvolvimento sobre a base da ampliação de oportunidades econômicas e educativas. Enfrentemos as verdades que, de incômodas, passarão a ser libertadoras.

www.law.harvard.edu/unger


ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.


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