|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
Classe média e sobressaltos
SÃO PAULO - É obviamente auspicioso o fato de 52% da população
brasileira ter sido rotulada de classe
média, a partir do estudo de Marcelo Neri (Fundação Getúlio Vargas).
Mas é sempre bom colocá-lo em
perspectiva. Na comparação com a
Argentina, por exemplo, não há nada a festejar.
Os parâmetros para definir o que
é classe média são parecidos. Aqui
Neri usou R$ 1.064 e R$ 4.591 como
o intervalo de renda que caracterizaria um lar de classe média.
A Argentina é um tiquinho mais
exigente: para ser classe média, a família precisa ter renda mínima
equivalente a R$ 1.830. E ainda chama de classe média quem recebe o
equivalente a R$ 4.651.
Pois bem: 70% dos argentinos
pertencem à classe média, porcentagem quase 20% superior à que se
verifica no Brasil.
Com um detalhe: o mais recente
resultado negativo da economia
brasileira foi o crescimento zero de
dez anos atrás, ao passo que a Argentina sofreu cinco anos (até
2002) de um retrocesso inédito no
mundo em tempos de paz.
De lá para cá, conheceu o que, aí
sim, merece o nome de "espetáculo
do crescimento", com o que a sua
classe média pôde recuperar pelo
menos parte do poder de compra
afetado pela crise.
O jornal argentino "La Nación"
visitou recentemente a classe média local em processo de recuperação e descobriu, por exemplo, Gabriela Valli, psicóloga divorciada, de 42 anos e dois filhos, cujos ganhos
passam um pouco do equivalente a
R$ 2.151, ou seja, estaria mais ou
menos na metade dos pontos extremos de renda que caracterizam a
classe média brasileira.
Mas, ao contrário do Brasil, ela
não festeja. Disse que pertence à
classe média por "tradição", mas
não por sua realidade. Acrescenta
que ser classe média, para ela, é "poder viver sem sobressaltos". Com
renda de R$ 2.151 vive-se sem sobressaltos no Brasil?
crossi@uol.com.br
Texto Anterior: Editoriais: Aula na escuridão
Próximo Texto: Brasília - Eliane Cantanhêde: Presunção eterna Índice
|