São Paulo, sexta-feira, 08 de agosto de 2008

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Editoriais

Aula na escuridão

O SOCIÓLOGO Túlio Kahn, chefe do escritório de análise de dados da Secretaria da Segurança paulista, proferiu uma aula exemplar a respeito da transparência no setor público. Exemplar pela quantidade de equívocos conceituais e de lugares-comuns freqüentemente invocados por autoridades para sonegar informações aos cidadãos.
Kahn, reputado pesquisador da violência, defende que o Estado mantenha sigilo sobre informações que mostram a incidência do crime por região. A camuflagem serviria para evitar "interpretações equivocadas" e impactos negativos no mercado imobiliário, no preço dos seguros e na auto-estima da população.
Contrariado com esta Folha, que publicou um mapa da violência de circulação restrita ao governo, reagiu com prepotência: "A Secretaria da Segurança Pública não se nega a repassar dados desagregados de criminalidade quando sabe que estes serão analisados de maneira correta e responsável". Irresponsável é a autoridade que se dá o direito de julgar a quem deve repassar uma informação pública.
Vinte anos depois de promulgada a Constituição, é espantoso constatar como ainda persistem manifestações típicas de regimes de força, derivadas das famigeradas "razões de Estado". Já deveria ter-se tornado praxe na administração pública a regra da máxima transparência.
Não cabe a governos escamotear informações relevantes sob o pretexto de proteger a população. Se não bastam as normas fundamentais de uma república democrática, a experiência histórica invalidou o mito de que a censura de dados considerados sensíveis favorece a sociedade. Pelo contrário, a prática costuma alimentar um mercado negro de informações, às quais só uma elite com trânsito no Estado tem acesso e delas se beneficia, enquanto a maioria da população permanece na ignorância.
A sociedade tem o direito de conhecer a verdade dos fatos e de ser exposta às principais estatísticas sobre violência. Mas o governo que divulga e festeja, com razão, a queda firme dos homicídios ano após ano é o mesmo que se recusa a fornecer de modo sistemático cifras precisas e atualizadas acerca do perfil do crime em cada região paulista.
Se os governantes se preocupam com "interpretações equivocadas" dos dados, que produzam as suas e as venham discutir em praça pública.


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