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Aula na escuridão
O SOCIÓLOGO Túlio Kahn,
chefe do escritório de
análise de dados da Secretaria da Segurança paulista, proferiu uma aula exemplar a respeito da transparência no setor
público. Exemplar pela quantidade de equívocos conceituais e
de lugares-comuns freqüentemente invocados por autoridades para sonegar informações
aos cidadãos.
Kahn, reputado pesquisador
da violência, defende que o Estado mantenha sigilo sobre informações que mostram a incidência do crime por região. A camuflagem serviria para evitar "interpretações equivocadas" e impactos negativos no mercado
imobiliário, no preço dos seguros
e na auto-estima da população.
Contrariado com esta Folha,
que publicou um mapa da violência de circulação restrita ao
governo, reagiu com prepotência: "A Secretaria da Segurança
Pública não se nega a repassar
dados desagregados de criminalidade quando sabe que estes serão analisados de maneira correta e responsável". Irresponsável
é a autoridade que se dá o direito
de julgar a quem deve repassar
uma informação pública.
Vinte anos depois de promulgada a Constituição, é espantoso
constatar como ainda persistem
manifestações típicas de regimes de força, derivadas das famigeradas "razões de Estado".
Já deveria ter-se tornado praxe
na administração pública a regra
da máxima transparência.
Não cabe a governos escamotear informações relevantes sob
o pretexto de proteger a população. Se não bastam as normas
fundamentais de uma república
democrática, a experiência histórica invalidou o mito de que a
censura de dados considerados
sensíveis favorece a sociedade.
Pelo contrário, a prática costuma alimentar um mercado negro de informações, às quais só
uma elite com trânsito no Estado tem acesso e delas se beneficia, enquanto a maioria da população permanece na ignorância.
A sociedade tem o direito de
conhecer a verdade dos fatos e
de ser exposta às principais estatísticas sobre violência. Mas o
governo que divulga e festeja,
com razão, a queda firme dos homicídios ano após ano é o mesmo que se recusa a fornecer de
modo sistemático cifras precisas
e atualizadas acerca do perfil do
crime em cada região paulista.
Se os governantes se preocupam com "interpretações equivocadas" dos dados, que produzam as suas e as venham discutir
em praça pública.
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