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FERNANDO GABEIRA
Duelo ao entardecer
DE UM PONTO de vista simbólico, quarta-feira alguém
irá morrer: ou o Senado ou
Renan Calheiros. O resultado ainda é imprevisível. Dizem que o governo salvará seu "enfant gaté".
O ministro da Defesa, que é um
elefante na cristaleira, mas celebrado pelos escribas deslumbrados, foi visitar Renan e levar-lhe
solidariedade.
Trabalho com a hipótese de o governo salvar Renan. Não a prefiro,
mas já me acostumei com a realidade que desafia o bom senso. Se
isso acontecer, a batalha não estará
perdida. Abre-se apenas uma nova
fase, bem ao gosto dos opositores
que desejam o pior. Uma fase do tipo os deuses enlouquecendo aqueles a quem desejam destruir.
Certas cabeças, se é que podemos chamá-las assim, do governo
podem pensar: danem-se a classe
média e todos os indivíduos instruídos do país, a elite. Acomodem-se os pobres, porque, afinal, estão
recebendo seu quinhão de Bolsa
Família e não têm nada que opinar
sobre Renan. Faremos o que quisermos, não importam as conseqüências.
A hipótese de absolvição de Renan com a ajuda do governo trará
sobressaltos, possibilidades imprevistas. Lula colocou o PT acima da
ética. Ele pode afirmar também
que ninguém é mais ético que Renan, pois o senador uniu-se umbelicalmente ao projeto do PT. Ou
pode dizer também que ninguém
sabe o que aconteceu quando os fatos se desenrolarem.
Todos nos acostumamos com o
desenrolar pacífico da democracia
brasileira. Mas o surgimento de
uma aliança de quadrilhas, encarando o país com um cinismo revoltante, é um dado perigoso. Vamos rezar pelo bom senso. Vamos
trabalhar por ele. Mas, caso a loucura onipotente predomine, os
brasileiros terão de admitir que a
história não é um piquenique. Ou
serão devorados como um sanduíche e bebidos como uma tubaína
de Alagoas.
Indivíduos fizeram sua escolha.
Lobão, por exemplo, foi ao Congresso com uma camiseta que explicava, com humor, o momento
em que vivemos: peidei, mas não
fui eu. Tico Santa Cruz acampou na
frente do Senado e desenhou uma
bandeira do Brasil com laranjas.
Artistas, diriam, têm suas prerrogativas. Nem todos são artistas,
nem todos podem viajar a Brasília.
Apesar da patética fragilidade
diante da história, só os indivíduos,
no momento de torpor coletivo,
podem encarnar a esperança.
Os que se calam hoje, com medo
de fazer o jogo da direita, deveriam
consultar a história, capítulo Stálin. Os momentos de cumplicidade
com o crime são doces e suaves. A
vergonha vem depois.
assessoria@gabeira.com.br
FERNANDO GABEIRA escreve aos sábados nesta coluna.
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