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RUY CASTRO
Dorian Gray ao contrário
RIO DE JANEIRO - Caminhar pelas
calçadas do Rio em tempo de eleição é disputar uma corrida de 400
metros com barreiras. Difícil dar
um passo sem tropeçar nos cavaletes com as fotos dos candidatos.
Temos não apenas de driblá-los,
como evitar que nos expulsem para
o meio-fio, onde podemos ser atropelados por um carrinho de sorvete
empurrado por um infeliz e equipado com um aparelho de som apregoando as virtudes dos candidatos.
(Minha ideia de pesadelo é quando
o carrinho está indo na mesma direção e no mesmo passo que eu, e não
é possível ultrapassá-lo.)
Ao mesmo tempo, essa maratona
atlética equivale também a um passeio no trem-fantasma, pelo sorriso
alvar e engessado dos candidatos
cujas fotos estão nas tabuletas. É o
horror em versão Photoshop. São
rostos altamente retocados, sem
um vinco, uma olheira ou um dente
cariado que tornassem mais humanos aqueles homens e mulheres a
quem delegaremos nosso destino
pelo futuro próximo.
Lembram-me "O Retrato de Dorian Gray", o grande romance de
Oscar Wilde. No livro, o heroi continuava jovem e belo na vida real, enquanto o rosto do retrato, escondido num armário, envelhecia e ficava repulsivo, refletindo as maldades e ignomínias que Dorian cometia contra as pessoas.
No caso dos nossos políticos, será exatamente o contrário. Pelos
próximos quatro anos, poderemos
constatar as deformações monstruosas que a prática operará no
rosto deles-os calombos, rugas,
veias, cicatrizes e erupções provocados por suas traições ao eleitor,
alianças repugnantes, negociatas,
assaltos ao dinheiro público etc.
Tudo isso, à medida que for acontecendo, ficará gravado em suas indisfarçáveis carantonhas.
Imutáveis, só as fotos. Dentro de
quatro anos, as tabuletas com elas
voltarão às calçadas, mostrando-os
ainda mais jovens e frescos do que
nas atuais eleições.
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