São Paulo, quarta-feira, 08 de setembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Como água e azeite

DANILO SANTOS DE MIRANDA


A partidarização extremada de todas as esferas, temas e locais em que se desenvolve a vida pública leva ao sectarismo e até mesmo ao autoritarismo


Em período eleitoral, as entidades de serviço social e formação profissional criadas e mantidas pelo empresariado se vêm diante do tema da postura a adotar em relação à contenda partidária.
Estou convicto, e a lei assim o determina, de que a resposta a essa questão é a observância da mais estrita neutralidade, pois o caráter da ação desenvolvida por essas instituições, privadas mas comprometidas com o interesse público, torna incompatível seu engajamento com qualquer opção em disputa.
Desenvolvimento social, estímulo à cidadania, inclusão social, educação permanente e diversidade cultural são ações políticas no sentido mais apropriado da palavra.
Entretanto, as entidades, em essência, são suprapartidárias.
Não por desconhecerem a importância dos partidos políticos para a plenitude democrática. Seu surgimento, na passagem do século 18 para o 19, levou à superação do absolutismo precedente. As tentativas de suprimir sua livre competição geraram os totalitarismos que ensanguentaram o século 20.
É preciso, porém, delimitar áreas de atuação. Para a democracia, tão importante quanto a disputa pluripartidária é a existência de espaços institucionais em que as pessoas possam compartilhar interesses, experiências e aspirações com base em critérios escolhidos livremente, sem o viés exclusivo da simpatia por uma corrente política.
O contrário, a partidarização extremada de todas as esferas, temas e locais em que se desenvolve a vida pública, leva ao sectarismo, parte do processo de abdicação do livre-arbítrio que culmina, quando corrente se impõe como referência única, no autoritarismo e, em última instância, no totalitarismo.
Como todo cidadão, os dirigentes e funcionários dessas entidades têm todo o direito de se filiar a um partido e concorrer a um cargo eletivo. Mas, ao fazê-lo, devem observar, além das exigências legais, um imperativo ético: deixar clara, por todos os meios a seu alcance, a indispensável desvinculação entre sua opção pessoal e a entidade de que participam.
Evitarão, assim, danos a um dos principais patrimônios dessas entidades, ou seja, a aprovação que recebem do conjunto da sociedade, à qual oferecem políticas construídas por muitos ao longo do tempo e que, por serem não de governo, mas de Estado, são frequentemente reproduzidas pelas várias esferas do poder público, por mandatários oriundos de todos os partidos.
Se conseguirem transmitir aos eleitores a separação existente entre sua postulação eleitoral e o trabalho das entidades, alcançarão uma vitória ética antes de aberta a primeira urna e contribuirão para manter inalteradas as propriedades de dois elementos distintos entre si, mas tão necessários à sociedade como são para o organismo a água e o azeite.


DANILO SANTOS DE MIRANDA, sociólogo, é diretor regional do Sesc-SP (Serviço Social do Comércio).

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