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CARLOS HEITOR CONY
O eleitor pasmado
RIO DE JANEIRO - Por instinto, e também por certa experiência adquirida por aí, sempre desconfio da
maioria. Não estou negando o fundamento da prática democrática,
que é o predomínio da maioria. Encontro na Bíblia um arremedo de justificação: lá está dito e escrito que o
número dos estultos é infinito, ""stultorum numerus est infinitus".
Apesar disso, algumas vezes faço
parte dela -o que também é motivo
para desconfiar da opinião geral ou
generalizada. Habitualmente, engrosso a legião de estultos e são incontáveis as quebrações de cara que
acumulei pensando ou agindo com a
maioria.
Gosto de citar uma passagem de
Dickens, que, quando esquece os órfãos e o Natal, é sempre um bom romancista. Mr. Pickwick viaja com os
membros do clube que fundou e chega a uma cidade onde a multidão está dando vivas a alguém ou a alguma coisa. Pickwick sai da carruagem
dando vivas também, integrando-se
imediatamente à maioria.
Pasmados, os sócios do clube que
tem o seu nome e a sua liderança perguntam a razão daquela atitude.
Pickwick responde que, quando se
encontra uma multidão gritando,
deve-se gritar com ela. Um dos discípulos argumenta: "Mestre, e se encontrarmos duas multidões, uma gritando viva, outra gritando morra?".
"Grite com aquela que estiver gritando mais forte."
Barrabás foi o primeiro a ser salvo
pelo Salvador. Pilatos promoveu um
arremedo de eleição, tentando salvar
o Salvador. Não deu pé. Nesse caso
particular, se eu estivesse no meio da
turba, votaria a favor dos dois. Nas
eleições de domingo, se pudesse teria
votado nos quatro -declarei isso em
crônica recente.
Não soltei foguetes nem me considero com a cabeça inchada. Declarei
meu voto antecipadamente, abstendo-me de votar, uma vez que sempre
fui contra o voto obrigatório. Como
qualquer cidadão, tenho o direito de
pensar assim.
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