São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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ALBA ZALUAR

Entre a lei e a guerra

VER O filme "Tropa de Elite" é duro, especialmente quando se sabe que o narrado é verossímil. Quando já se ouvir falar de tanta crueldade de traficantes e brutalidade de policiais, fica difícil tratar o filme somente como obra de ficção. Se o objetivo era nocautear quem ouviu falar de, mas nunca viu tanta violência, o filme é um sucesso, o que não o torna um filme fascista. Capitão Nascimento não é o Capitão América. Não é super-herói.
Ele sua, hesita, tem medo e quer sair do Bope para cuidar da vida, do filho que nasceu, da mulher que não quer que ele morra. Está em missão impossível, mas tem síndrome de estresse pós-traumático, como muitos policiais militares, apesar do silêncio da corporação a respeito desse problema que só fez crescer, ao lado do número de policiais mortos e de vítimas dos "autos de resistência", eufemismo para as batalhas campais contra os traficantes nas favelas.
Os personagens foram construídos pela vivência de dois dos autores do livro que o inspirou. O treinamento por que passam, de máquinas de guerra no pior estilo dos marines, não deixa a menor dúvida sobre o militarismo que impera nas polícias estaduais.
Não são treinados para salvar cidadãos quando estão nas mãos de seus predadores. Não são formados para combater o crime. São treinados para matar inimigos, para arriscar a vida calculadamente, para não errar o tiro certeiro que "quebra" o inimigo. Não há como negar que o filme, por exibir tanta crueldade, denuncia e alerta.
No entanto, o destemor dos personagens, sua repulsa à corrupção tão escancaradamente mostrada no filme e tão comentada na vida real por todos da cidade traz outras associações. São mocinhos de farda preta a destruir o mal do qual tantos se crêem vítimas.
Primeiro, os traficantes da favela, armados por corruptos, inclusive policiais, os que mais lucram com a guerra. Depois, os corruptos da corporação.
Também não há como negar que o público pode se deixar levar pela admiração aos impolutos policiais do Bope. A identificação com eles e a esperança de que sejam os salvadores dos cidadãos indefesos e órfãos da segurança do Estado é inevitável. Para isso, não há nenhum alerta ou saída.
No final, o capitão Nascimento e seu substituto aderem à missão do Bope, apresentado como incorruptível. Um deixa a vida para lá; o outro larga o curso de direito. O autor inspirador do personagem explicou muito bem essa adesão: não dá para cantar "sou PM, osso duro de roer, defendo a lei até morrer" porque isso seria visto como "coisa de mulherzinha". Só resta a guerra.
O filme não é fascista, é pessimista.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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