São Paulo, segunda-feira, 08 de outubro de 2007

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RUY CASTRO

O rabo dos outros

RIO DE JANEIRO - Há meses, num papo com um agente de viagens em Brasília, ele me disse que, quando vem ao Rio -a trabalho, claro-, seus únicos trajetos são do Galeão até o escritório de sua empresa, no Centro da cidade, e de volta para o aeroporto, poucas horas depois. Tem medo da violência.
Pensei comigo: estamos mal. Se um agente de viagens, supostamente conhecedor de cecas e mecas, não dá a uma cidade o benefício da dúvida, que chances têm seus clientes de receber informações corretas?
Eu não exigiria que, no Rio, ele subisse ao morro dos Macacos ou fosse comprar retrozes em Vigário Geral. Mas poderia se aventurar, digamos, da Gamboa, a velha zona portuária que está prestes a se transformar numa nova Lapa, até o Leblon, no extremo sul da orla marítima. Duas coisas o surpreenderiam: 1) os restaurantes, botequins, gafieiras, praias, pontos históricos e cartões postais ao vivo, duros de gente em qualquer dia ou noite da semana; 2) inexplicavelmente, ninguém com medo.
O mundo está encolhendo para pessoas como este meu conhecido. Sua percepção da violência é tão grave e aguda que em breve ele não terá mais aonde ir. Se quase não vem ao Rio porque tem medo, tampouco poderá ir a São Paulo, que, segundo dados recentes da ONU, foi responsável por 1% dos homicídios em todo o mundo em 2006. E não poderá ir a Recife ou Vitória, onde as taxas de violência são também altíssimas. Só lhe restará trancar-se em casa em Brasília.
Mas não por muito tempo. O Distrito Federal já está cercado por seis das cidades mais violentas do país -Luziânia, Águas Lindas, Recanto das Emas, Planaltina, Santa Maria e Valparaíso- e teme-se que, pela bala e pela droga, a capital também não demore a ingressar no faroeste. Está ficando difícil falar do rabo dos outros.


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