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RUY CASTRO
O rabo dos outros
RIO DE JANEIRO - Há meses,
num papo com um agente de viagens em Brasília, ele me disse que,
quando vem ao Rio -a trabalho,
claro-, seus únicos trajetos são do
Galeão até o escritório de sua empresa, no Centro da cidade, e de volta para o aeroporto, poucas horas
depois. Tem medo da violência.
Pensei comigo: estamos mal. Se
um agente de viagens, supostamente conhecedor de cecas e mecas,
não dá a uma cidade o benefício da
dúvida, que chances têm seus clientes de receber informações corretas?
Eu não exigiria que, no Rio, ele
subisse ao morro dos Macacos ou
fosse comprar retrozes em Vigário
Geral. Mas poderia se aventurar, digamos, da Gamboa, a velha zona
portuária que está prestes a se
transformar numa nova Lapa, até o
Leblon, no extremo sul da orla marítima. Duas coisas o surpreenderiam: 1) os restaurantes, botequins,
gafieiras, praias, pontos históricos e
cartões postais ao vivo, duros de
gente em qualquer dia ou noite da
semana; 2) inexplicavelmente, ninguém com medo.
O mundo está encolhendo para
pessoas como este meu conhecido.
Sua percepção da violência é tão
grave e aguda que em breve ele não
terá mais aonde ir. Se quase não
vem ao Rio porque tem medo, tampouco poderá ir a São Paulo, que,
segundo dados recentes da ONU,
foi responsável por 1% dos homicídios em todo o mundo em 2006. E
não poderá ir a Recife ou Vitória,
onde as taxas de violência são também altíssimas. Só lhe restará trancar-se em casa em Brasília.
Mas não por muito tempo. O Distrito Federal já está cercado por seis
das cidades mais violentas do país
-Luziânia, Águas Lindas, Recanto
das Emas, Planaltina, Santa Maria e
Valparaíso- e teme-se que, pela bala e pela droga, a capital também
não demore a ingressar no faroeste.
Está ficando difícil falar do rabo dos
outros.
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