São Paulo, quarta-feira, 08 de outubro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Meio ambiente e segurança nacional

MARIO CESAR FLORES


Se os fatos confirmarem os prognósticos negativos sobre o clima, a transigência atual ensejará preocupações de segurança externa

NENHUM PAÍS é hermético, existem assuntos que transcendem fronteiras. Entre eles, os cuidados com a natureza, convenientes ao país em si e para evitar que preocupações de outros países, legítimas, interesseiras ou pendentes de maior conhecimento gerem polêmicas sobre condutas vistas como influentes no clima, no nível dos oceanos, na desertificação, nas enchentes, nas secas e na poluição de rios, lagos e oceanos.
A visão desse problema em países desenvolvidos nem sempre é igual à dos países em desenvolvimento, mais tolerantes, porque os danos à natureza seriam neles socioeconomicamente justificados... Mas uma pergunta atinge todos: qual a relação entre meio ambiente e segurança nacional?
O Brasil deve pensá-la atento aos efeitos ambientais internos e transnacionais das atividades no país. Embora controverso e dependente de aferições científicas, o conceito da supraterritorialidade ambiental cresce no mundo e já começa a merecer atenção relacionada com a segurança.
Ator importante (a Amazônia tem sido alvo freqüente de instigantes referências de lideranças relevantes no mundo), cabe ao Brasil promover seu desenvolvimento minimizando os danos ambientais que prejudiquem seus próprios interesses no maior prazo -um matiz interno da segurança nacional comumente eclipsado por pressões econômicas, sociais e políticas-, os de seus vizinhos e os do mundo em geral, assim se credenciando à tranqüilidade interna e internacional e ao direito de influenciar parâmetros do quadro ambiental do mundo.
Para concretizar essa orientação, além do respeito aos acordos internacionais, precisamos de legislação adequada e implementação firme. Nossa legislação sempre pode ser aperfeiçoada, de conformidade com a ampliação do conhecimento e a evolução das circunstâncias -a expansão da fronteira agropecuária, por exemplo-, mas já a temos razoável.
O que vem deixando a desejar é sua implementação, fragilizada por deficiências institucionais -pessoal, material, procedimentos e monitoramento da situação- que geram ineficiência e facilitam as atividades ilegais e/ou predadoras, por vezes associadas à corrupção.
A solução desse quadro insatisfatório depende de medidas político-administrativas que reforcem as instituições, sujeitas aos humores do poder público, pressionado por injunções políticas, econômicas e sociais. E depende de monitoramento, que a imensidão geográfica e a complexidade fisiográfica do país exigem em alta tecnologia (satélites).
O potencial desse monitoramento transcende o meio ambiente e seus desdobramentos de defesa civil (enchentes, queimadas etc.), estende-se aos controles inerentes à segurança nacional clássica e a uma utilidade econômica vinculada à ambiental: a dinâmica florestal e seu mercado de crédito de carbono, cujas receitas deveriam contribuir para o controle ambiental, à semelhança da alocação de royalties do petróleo extraído no mar à Marinha, para fiscalização e proteção das áreas de produção.
Independentemente da evolução das controvérsias sobre a questão ambiental, já nos convém admitir que, se malconduzida, ela ameaça a continuidade útil do nosso patrimônio natural no longo prazo, podendo comprometer a produtividade econômica e a tranqüilidade social (pobreza, migração desordenada), além de expor o Brasil no quadro internacional (em que o Brasil pode prejudicar e ser prejudicado...).
É preciso tratá-la com prudência, porque seria insensato menoscabar por inverossímeis as possibilidades adversas -menoscabo por vezes sincero, mas também por vezes apenas rendição à pressão política, social ou econômica, "vendida" como manifestação de soberania nacional, válida quanto ao "modus faciendi", sem que isso autorize a estendê-la ao "convém fazer", que transcende os parâmetros do nacionalismo, correto ou interesseiro.
Em suma: transigências por inoperância funcional decorrente das deficiências citadas ou da pressão de interesses vão acabar comprometendo o futuro sadio do país, induzindo problemas que tumultuarão a segurança interna, vão prejudicar nossa credibilidade internacional no tema e, no correr do século, se a ciência e os fatos vierem a confirmar prognósticos negativos, vão ensejar preocupações de segurança externa.
A segurança nacional não mais pode ignorar que o meio ambiente também lhe diz respeito, crescente no correr do século.


MARIO CESAR FLORES , 77, é almirante-de-esquadra reformado. Foi secretário de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (governo Itamar Franco) e ministro da Marinha (governo Collor).

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