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JOSÉ SARNEY
Prato frio
O Prêmio Nobel de Literatura sempre foi mais polêmico
pelos autores que não o receberam do que pelos que o receberam -fora os casos dos que
o recusaram, Pasternak, por
imposição dos soviéticos, e
Sartre, para marcar uma posição anticapitalista. Assim, ficam de fora de sua fileira muitos grandes nomes: Kafka,
Proust, Joyce, Valéry, Ibsen,
mais perto de nós, Onetti e
Cortázar, e, em nossa casa,
Drummond e Jorge Amado.
O grande Jorge Luis Borges
sempre estava nas listas dos
que seriam premiados, mas
nunca chegava sua vez. Quase
no fim da vida, há muito cego,
na última entrevista que concedeu em Paris, perguntaram-lhe se estava inconformado
por não receber o Nobel. Respondeu com ironia: "Antigamente, o Prêmio Nobel era dado a autores consagrados,
com uma obra consolidada, e
agora é um prêmio de incentivo a jovens escritores". Referia-se a Gabriel García Márquez -que, a meu ver, mereceria o prêmio mesmo que tivesse escrito apenas "Cem
Anos de Solidão".
Quando o prêmio chegou à
literatura de língua portuguesa, resolveram premiar um
português. Saramago tinha todos os méritos para ganhá-lo,
menos um: passar à frente de
Jorge Amado, que tinha uma
obra monumental e era desde
moço um inovador e um grande batalhador da literatura.
Jorge levou, como nenhum
outro, a vida brasileira para o
mundo, através de seus milhares de personagens, que estão
até dicionarizados. São gente
viva, nascida da cultura popular, mestiça, deste Brasil onde
se encontram América, África
e Europa, num universo mítico e folclórico, imaginário e
real. Sua obra é feita de palavras, de gentes e de eternidade. Mas nunca podemos esquecer que motivações políticas e pessoais foram causa da
injustiça.
Mario Vargas Llosa já recebe tarde o prêmio, há muito
merecido. A nota da Real Academia Sueca fala em "cartografia das estruturas de poder
e suas imagens vigorosas sobre a resistência, revolta e derrota individual". É uma explicação literária.
A verdade é que, depois de
citado inúmeras vezes, ele vinha sendo discriminado sob o
pretexto de ser um homem de
direita. Já recebera todos os
prêmios. E construíra uma
obra consagrada, como pedia
Borges: "Conversa na Catedral", "Pantaleão e as Visitadoras", "Tia Júlia e o Escrivinhador", "A Guerra do Fim do
Mundo"...
Vargas Llosa sempre cita
Juan Carlos Onetti e o Victor
Hugo de "Os Miseráveis" como os escritores a quem deve
muito. Mas há outro, tão grande quanto estes e praticamente desconhecido mundo afora:
Euclides da Cunha, cujo "Os
Sertões" -que Llosa conhece
profundamente- deu origem
ao seu livro sobre Canudos e
que é um dos maiores livros da
literatura mundial.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta
coluna.
jose-sarney@uol.com.br
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