|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
O crime no cinema
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - A sabedoria humana, nascida daquilo que um autor alemão chamou de "veredicto dos séculos", aconselha a contagem até dez antes de se entrar numa briga ou emitir
um juízo sobre alguma coisa.
Embora não seja dado a brigas e evite juízos definitivos ou provisórios sobre qualquer assunto, sempre deixo
passar algum tempo entre um fato e o
comentário que ele me provoca. Sofro
e gozo a longo prazo. Até hoje, tantos
anos passados, não esqueço o colo macio da professora que me abrigou e
consolou numa aula em que errei abominavelmente os plurais das palavras
terminadas em ão.
Daí que evitei comentar até agora o
crime no cinema aí em São Paulo.
Nem pretendo comentá-lo agora, pois
tudo já foi dito e redito. Há até mesmo
uma justificada emulação na mídia,
cada matéria ou cada coluna esgotando o repertório de condenações ao
monstro, ao tarado, ao isso e aquilo.
Acompanhei, solidário e pasmo,
quase tudo o que se escreveu sobre o
assunto. Acho que a mistura da violência exibida no cinema e no rock, a
droga e a própria repercussão desses
crimes na imprensa e na TV produzem um "mixed" mortífero, sobretudo
na personalidade problemática de alguns jovens que buscam uma explicação ou uma solução para suas neuroses.
Um maníaco botou fogo na biblioteca de Alexandria para garantir um lugar na história. Foi bem-sucedido, seu
nome consta das enciclopédias. Os criminosos em série, produzidos principalmente na sociedade da abundância, têm motivações parecidas. Não
queimam livros, matam seres humanos que eles consideram inúteis.
O que mais me horrorizou no episódio do Morumbi não foram a gratuidade e a hediondez do crime em si,
mas a certeza de que esse tipo de violência deixou de ser um fato isolado. É
um fato recorrente daquilo que chamam de "nossa civilização".
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: De Rui Barbosa a FHC Próximo Texto: Boris Fausto: O passaporte Índice
|