São Paulo, Segunda-feira, 08 de Novembro de 1999
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O crime no cinema

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - A sabedoria humana, nascida daquilo que um autor alemão chamou de "veredicto dos séculos", aconselha a contagem até dez antes de se entrar numa briga ou emitir um juízo sobre alguma coisa.
Embora não seja dado a brigas e evite juízos definitivos ou provisórios sobre qualquer assunto, sempre deixo passar algum tempo entre um fato e o comentário que ele me provoca. Sofro e gozo a longo prazo. Até hoje, tantos anos passados, não esqueço o colo macio da professora que me abrigou e consolou numa aula em que errei abominavelmente os plurais das palavras terminadas em ão.
Daí que evitei comentar até agora o crime no cinema aí em São Paulo. Nem pretendo comentá-lo agora, pois tudo já foi dito e redito. Há até mesmo uma justificada emulação na mídia, cada matéria ou cada coluna esgotando o repertório de condenações ao monstro, ao tarado, ao isso e aquilo.
Acompanhei, solidário e pasmo, quase tudo o que se escreveu sobre o assunto. Acho que a mistura da violência exibida no cinema e no rock, a droga e a própria repercussão desses crimes na imprensa e na TV produzem um "mixed" mortífero, sobretudo na personalidade problemática de alguns jovens que buscam uma explicação ou uma solução para suas neuroses.
Um maníaco botou fogo na biblioteca de Alexandria para garantir um lugar na história. Foi bem-sucedido, seu nome consta das enciclopédias. Os criminosos em série, produzidos principalmente na sociedade da abundância, têm motivações parecidas. Não queimam livros, matam seres humanos que eles consideram inúteis.
O que mais me horrorizou no episódio do Morumbi não foram a gratuidade e a hediondez do crime em si, mas a certeza de que esse tipo de violência deixou de ser um fato isolado. É um fato recorrente daquilo que chamam de "nossa civilização".


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