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KENNETH MAXWELL
Freyre, outra vez
O PRESIDENTE Lula vem sendo muito criticado por suas
visitas à África. No entanto
é impossível quantificar sua importância em termos materiais. As
visitas significam tanto um esforço
de recuperação das raízes africanas
do Brasil como uma busca de oportunidades de investimento na África. As queixas, de forma semelhante à resposta quase histérica das
elites intelectuais brasileiras às cotas raciais, demonstram até que
ponto as atitudes quanto à persistente e inescapável herança africana do país continuam ambíguas.
Mas, para quem assiste de fora, o
elemento mais estranho no debate
sobre cotas que está sendo travado
no Brasil é até que ponto a percepção existente sobre as realidades
raciais presentes dos EUA sinaliza
uma desconexão. O desdobramento mais importante dos últimos 30
anos, de fato, é a maneira pela qual
o velho mundo binário de segregação rígida mudou. É verdade, como
Gilberto Freyre percebeu com tamanha clareza, tomando por base
suas experiências no Texas nos
anos 20, que a segregação se baseava em uma visão, nos EUA, de que
qualquer proporção de sangue negro fazia da pessoa um negro, enquanto no Brasil a percepção era de
que qualquer proporção de sangue
europeu embranquecia; de modo
que as barreiras raciais, especialmente no que tange a pessoas de
origem racial mista, eram colocadas em pontos opostos do espectro
nos dois países. Mas um resultado
significativo da segregação racial
intensa foi promover a recuperação do orgulho racial e da busca da
melhora com base na raça, uma
força motivadora muito poderosa
entre os líderes negros norte-americanos depois da abolição da escravatura.
Por exemplo: quando comecei a
lecionar nos EUA, no começo dos
anos 70 (o momento máximo do
movimento pelos direitos civis), a
afirmação do orgulho negro estava
encapsulada na frase "black is
beautiful", uma recuperação do valor próprio e da autoconfiança cujo
objetivo era negar séculos de vilificação, exclusão e racismo científico. Mas, quando voltei ao ensino,
três anos atrás, o primeiro pôster
que vi em uma caminhada pelo
campus de Harvard dizia que
"multiracial is beautiful". E o elemento mais notável na sala de aula,
para mim, foi o nível elevado de autoconfiança e de conforto social
entre os estudantes de múltiplas
origens raciais, falando sobre raça
e diversidade sem recorrer às velhas categorizações binárias.
Essa é a América jovem, na qual a
mensagem de um líder político como Barack Obama, africano e americano a um só tempo, e sem hífen,
encontra ressonância, e na qual o
jovem Gilberto Freyre se sentiria
muito mais em casa do que em Waco, Texas, em 1919.
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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