São Paulo, sábado, 08 de novembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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"A mudança chegou aos Estados Unidos"?
(Barack Obama, no 1º discurso após ser eleito)


NÃO

O dia seguinte não é o bravo mundo novo

JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA

A VITÓRIA da mudança foi eficaz bordão eleitoral e eficiente jargão midiático, com impacto avassalador sobre a insegura sociedade norte-americana. A confirmação da vitória acachapante de Obama não pode ser entendida sem a psicologia social do desespero, mais do que do altruísmo político.
Para os cidadãos comuns daquele país, crédulos nos velhos valores dos que fizeram nascer a pátria de Jefferson, embora dependentes hoje da exuberância artificial criada no início do século 21 pela obsessão do ganho fácil, a eleição de Obama veio a calhar.
Emerge a esperança de um bravo mundo novo e de uma nova página da história. Chega o salvador messiânico para restaurar o desígnio americano.
Algo semelhante aconteceu com Roosevelt no século 20.
Tal vetor, que se repete na história norte-americana, foi determinante na eleição de Obama ao assento mais importante da gestão do planeta. As noções de destino e saga desbravadora, em momentos difíceis, presidem a construção da nação de Monroe desde os inícios do século 19.
Mas agora a história é outra. Poucas variáveis sugerem que poderão ocorrer, em curto e médio prazo, mudanças substantivas nos EUA no plano interno e em sua projeção internacional. As determinações estruturais internas e externas à economia, à sociedade e à cultura política norte-americana entravam a vitória da mudança.
Em primeiro lugar, a margem de manobra do presidente que emerge é baixa ante a gigantesca expectativa criada ao seu redor. Obama virou panacéia na mídia norte-americana -também no Brasil. Mas o homem não tem os meios nem a liberdade de ação política de Roosevelt.
Como distinguir o homem Obama e seu poder real dos que o fizeram tão familiar e poderoso? A lista de demandas é incompatível com os meios disponíveis no momento para satisfazer a todos que construíram o totem.
As pressões sindicais, dos usuários de um sistema de saúde caótico e caro, bem como de forças poderosas, como as do complexo militar-tecnológico, sem falar de setores sociais marginais, como os afro-americanos, entre outros, tornarão sua administração difícil. Obama ofereceu uma palavra generosa. Agora, terá que oferecer fatos e resultados.
Em segundo lugar, não há tábua de salvação para uma economia que se fez gastadora depois de uma história bissecular de poupança. A capacidade de gerar riqueza real nova é modesta.
A elevação do capitalismo industrial produtivo na Ásia, ante o fenecer das engenharias dinâmicas do velho capitalismo norte-americano, é um desafio para a retomada da produção, da produtividade e do emprego. Eles lá se fizeram preguiçosos, à espera da especulação proveitosa. Terá Obama a força convocatória e os meios para lançar as bases de um novo capitalismo industrial naquele país?
Em terceiro lugar, não há brechas adicionais no plano internacional disponíveis para Obama. Terá que lidar com o recrudescimento do protecionismo comercial dos seus concidadãos do Partido Democrata, ávidos por manter o status de potência econômica. Há pouca garantia de que se possa avançar a Rodada Doha na administração Obama a partir de janeiro de 2009. É esse um capítulo que exigirá atenção redobrada do governo Lula e dos países de competitividade agrícola superior à dos EUA.
A complexa tomada de decisão das políticas comerciais e externa dos Estados Unidos é outro capítulo de distúrbio iminente para o novo habitante do Salão Oval da Casa Branca. Não é lá que se decide a política comercial, que será entregue a uma Câmara protecionista e ávida pela reinserção soberana dos Estados Unidos. Nem o Senado, por mais democrata que possa ser, acomodará de forma automática as iniciativas do presidente eleito.
Em outras palavras, os espetáculos patrocinados em várias partes do planeta, a envolver a própria África nesse jogo, de júbilo diante da vitória do salvador, cederão em breve a análises mais calibradas acerca das possibilidades. Sonhar é bom, liberta, reduz o medo. Mas também é arrojado pensar que o dia seguinte não é o bravo mundo novo, nem Obama é seu rei.


JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA, 48, doutor em história pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), é professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília). É autor, entre outras obras, de "Relações Internacionais - Dois Séculos de História".


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