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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
"A mudança chegou aos Estados Unidos"?
(Barack Obama, no 1º discurso após ser eleito)
NÃO
O dia seguinte não é o bravo mundo novo
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA
A VITÓRIA da mudança foi eficaz bordão eleitoral e eficiente
jargão midiático, com impacto
avassalador sobre a insegura sociedade norte-americana. A confirmação
da vitória acachapante de Obama não
pode ser entendida sem a psicologia
social do desespero, mais do que do
altruísmo político.
Para os cidadãos comuns daquele
país, crédulos nos velhos valores dos
que fizeram nascer a pátria de Jefferson, embora dependentes hoje da
exuberância artificial criada no início
do século 21 pela obsessão do ganho
fácil, a eleição de Obama veio a calhar.
Emerge a esperança de um bravo
mundo novo e de uma nova página da
história. Chega o salvador messiânico
para restaurar o desígnio americano.
Algo semelhante aconteceu com Roosevelt no século 20.
Tal vetor, que se repete na história
norte-americana, foi determinante
na eleição de Obama ao assento mais
importante da gestão do planeta. As
noções de destino e saga desbravadora, em momentos difíceis, presidem a
construção da nação de Monroe desde os inícios do século 19.
Mas agora a história é outra. Poucas
variáveis sugerem que poderão ocorrer, em curto e médio prazo, mudanças substantivas nos EUA no plano
interno e em sua projeção internacional. As determinações estruturais internas e externas à economia, à sociedade e à cultura política norte-americana entravam a vitória da mudança.
Em primeiro lugar, a margem de
manobra do presidente que emerge é
baixa ante a gigantesca expectativa
criada ao seu redor. Obama virou panacéia na mídia norte-americana
-também no Brasil. Mas o homem
não tem os meios nem a liberdade de
ação política de Roosevelt.
Como distinguir o homem Obama e
seu poder real dos que o fizeram tão
familiar e poderoso? A lista de demandas é incompatível com os meios
disponíveis no momento para satisfazer a todos que construíram o totem.
As pressões sindicais, dos usuários
de um sistema de saúde caótico e caro, bem como de forças poderosas, como as do complexo militar-tecnológico, sem falar de setores sociais marginais, como os afro-americanos, entre
outros, tornarão sua administração
difícil. Obama ofereceu uma palavra
generosa. Agora, terá que oferecer fatos e resultados.
Em segundo lugar, não há tábua de
salvação para uma economia que se
fez gastadora depois de uma história
bissecular de poupança. A capacidade
de gerar riqueza real nova é modesta.
A elevação do capitalismo industrial
produtivo na Ásia, ante o fenecer das
engenharias dinâmicas do velho capitalismo norte-americano, é um desafio para a retomada da produção, da
produtividade e do emprego. Eles lá
se fizeram preguiçosos, à espera da
especulação proveitosa. Terá Obama
a força convocatória e os meios para
lançar as bases de um novo capitalismo industrial naquele país?
Em terceiro lugar, não há brechas
adicionais no plano internacional disponíveis para Obama. Terá que lidar
com o recrudescimento do protecionismo comercial dos seus concidadãos do Partido Democrata, ávidos
por manter o status de potência econômica. Há pouca garantia de que se
possa avançar a Rodada Doha na administração Obama a partir de janeiro de 2009. É esse um capítulo que
exigirá atenção redobrada do governo
Lula e dos países de competitividade
agrícola superior à dos EUA.
A complexa tomada de decisão das
políticas comerciais e externa dos Estados Unidos é outro capítulo de distúrbio iminente para o novo habitante do Salão Oval da Casa Branca. Não
é lá que se decide a política comercial,
que será entregue a uma Câmara protecionista e ávida pela reinserção soberana dos Estados Unidos. Nem o
Senado, por mais democrata que possa ser, acomodará de forma automática as iniciativas do presidente eleito.
Em outras palavras, os espetáculos
patrocinados em várias partes do planeta, a envolver a própria África nesse
jogo, de júbilo diante da vitória do salvador, cederão em breve a análises
mais calibradas acerca das possibilidades. Sonhar é bom, liberta, reduz o
medo. Mas também é arrojado pensar
que o dia seguinte não é o bravo mundo novo, nem Obama é seu rei.
JOSÉ FLÁVIO SOMBRA SARAIVA, 48, doutor em história pela Universidade de Birmingham (Inglaterra), é professor do Instituto de Relações Internacionais da UnB
(Universidade de Brasília). É autor, entre outras obras, de
"Relações Internacionais - Dois Séculos de História".
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