São Paulo, domingo, 08 de dezembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SOCIEDADE E LEI

As leis de uma sociedade tendem a acompanhar seus costumes num ritmo mais lento do que o da mudança de hábitos e valores. A aceitação das inovações nem sempre é tranquila, pois os estratos sociais não são homogêneos. A Igreja Católica, por exemplo, segue condenando o divórcio, mesmo passados 25 anos de sua aprovação no Brasil.
Se tendências já verificadas em muitos países ricos se repetirem aqui, em breve o aborto provocado deverá ser descriminalizado e regulamentado. O uso de drogas tidas por leves como a maconha também tende a ser cada vez mais tolerado.
A rigor, não faltam assuntos polêmicos sobre os quais legislar. Um desses temas, porém, parece mais polêmico que os demais. Trata-se da eutanásia, que por vezes se confunde com o suicídio assistido. Até agora, apenas a Holanda e a Bélgica legalizaram a eutanásia, embora ela já seja discretamente tolerada em vários países. Notícia publicada por esta Folha na semana passada, por exemplo, relata o trabalho da ONG suíça Dignitas, que, valendo-se da permissividade das autoridades de Zurique, ajuda pacientes terminais (inclusive estrangeiros) a suicidar-se no país.
A conceituação de eutanásia não é simples, mas, por algumas definições, ela já é aplicada no Brasil. Poucos médicos envidariam todos os esforços para reanimar um paciente em estágio terminal de câncer e com fortes dores que tenha sofrido parada cardíaca, por exemplo.
Obviamente, nem todos os casos são tão claros como esse, mas médicos de todas as partes do mundo trabalham com a noção de tratamento fútil e com diretrizes de não reanimar certos pacientes. A diferença entre não socorrer uma parada do coração e ministrar drogas analgésicas que levem à morte é, para muitos bioeticistas, mais uma distinção de grau do que de natureza.
Por diversas razões, em parte históricas, em parte psicanalíticas, mas passando também pelo cálculo político, legisladores de todo o mundo preferem não ter de abordar a delicada questão de definir quando a vida não vale mais a pena ser vivida e médicos estão autorizados a agir para abreviar a vida de um paciente.
A questão é de fato complexa e não comporta soluções fáceis. Mas apenas fingir que o problema não existe tampouco parece um bom caminho. A própria evolução da medicina tende a tornar decisões de vida e morte cada vez mais rotineiras. Pela lei em vigor no Brasil, a prática da eutanásia é considerada homicídio e deixar de reanimar um paciente terminal pode ser classificado como omissão de socorro. Já é hora de começar a discutir esses temas.



Texto Anterior: Editoriais: JUROS E DÍVIDA EM XEQUE
Próximo Texto: São Paulo - Clóvis Rossi: De Porto Alegre a Brasília
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.