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BORIS FAUSTO
Democracia e consenso
"Democracia e consenso" era o título de meu primeiro artigo para esta coluna, já lá vão mais de cinco anos.
Por que retomo agora o texto e o tema? Porque o último é importante,
mas, sobretudo, porque a direção da
Folha houve por bem me solicitar este
espaço, oferecendo-me outros no jornal, que devo ocupar após um intervalo relativamente breve.
Naquele início de junho de 1998,
portanto em ano de eleições à Presidência da República, eu destacava,
com algum pessimismo, a ausência de
um consenso básico entre as diferentes forças políticas como princípio
inerente a qualquer democracia. Responsabilizava sobretudo a oposição,
com o PT à frente, lembrando seu
comportamento sistemático de arrasa-quarteirão no plano econômico e
no político, assim como, especificamente, a falta de uma clara aceitação
do jogo democrático.
Ao rever o que se passou nos últimos anos, constato que o país avançou muito no caminho apontado,
graças, em grande medida, à metamorfose que se processou no chamado núcleo duro do PT. O consenso básico que essa metamorfose proporcionou revela-se em dois campos: nos
princípios da política macroeconômca e no respeito às regras da democracia.
No primeiro caso, deixando de lado
piparotes recíprocos, alusões a heranças malditas ou não, o fato substancial
é que os dirigentes petistas procederam a uma impressionante reviravolta, incorporando os postulados da
responsabilidade fiscal, do respeito
aos contratos, do combate à inflação.
Nesse nível de análise, importa menos
constatar que o atual governo exagerou na dose, sendo mais significativo
ressaltar a adoção de princípios demonizados no passado e menos as
opções conjunturais de sua aplicação.
No segundo caso, algum amadurecimento ideológico e o pragmatismo
concorreram para que o PT abandonasse a linha de descrédito institucional que seus porta-vozes mais ousados -não necessariamente os mais
radicais- protagonizavam, a exemplo da inglória campanha do "fora
FHC". A incorporação do caminho
democrático acabou redundando na
vitória inquestionável de Lula no pleito presidencial do ano passado. Mais
ainda: a transição se fez de forma altamente civilizada, graças a afinidades
pretéritas e ao comportamento civilizatório do ex-presidente Fernando
Henrique.
Como a afirmação do consenso é recente, e dadas as peculiaridades do
país, não podemos afirmar que ele esteja definitivamente implantado. Se o
anunciado crescimento não se sustentar, as opções populistas, cujos
aderentes vão muito além do espectro
governista, poderão voltar à tona. O
mesmo se diga das tentações autoritárias, sob roupagens variadas, sempre
à espreita no âmago de nossa cultura
política. Mas o rumo mais provável
não é esse, o que nos induz a um moderado otimismo.
Por último, para evitar mal-entendidos, não estou pregando a "harmonia
universal" -produto tão ingênuo
quanto inatingível. Repisando uma
banalidade, mas às vezes as banalidades são esquecidas, controvérsias e
conflitos existem e continuarão existindo em qualquer país. Com a diferença de que, nos países democráticos, elas não se prestam a explosões
quase sempre negativas, mas a transparentes disputas ideológicas e de interesses.
Boris Fausto é historiador e cientista político.
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