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São Paulo, segunda-feira, 08 de dezembro de 2003

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BORIS FAUSTO

Democracia e consenso

"Democracia e consenso" era o título de meu primeiro artigo para esta coluna, já lá vão mais de cinco anos. Por que retomo agora o texto e o tema? Porque o último é importante, mas, sobretudo, porque a direção da Folha houve por bem me solicitar este espaço, oferecendo-me outros no jornal, que devo ocupar após um intervalo relativamente breve.
Naquele início de junho de 1998, portanto em ano de eleições à Presidência da República, eu destacava, com algum pessimismo, a ausência de um consenso básico entre as diferentes forças políticas como princípio inerente a qualquer democracia. Responsabilizava sobretudo a oposição, com o PT à frente, lembrando seu comportamento sistemático de arrasa-quarteirão no plano econômico e no político, assim como, especificamente, a falta de uma clara aceitação do jogo democrático.
Ao rever o que se passou nos últimos anos, constato que o país avançou muito no caminho apontado, graças, em grande medida, à metamorfose que se processou no chamado núcleo duro do PT. O consenso básico que essa metamorfose proporcionou revela-se em dois campos: nos princípios da política macroeconômca e no respeito às regras da democracia.
No primeiro caso, deixando de lado piparotes recíprocos, alusões a heranças malditas ou não, o fato substancial é que os dirigentes petistas procederam a uma impressionante reviravolta, incorporando os postulados da responsabilidade fiscal, do respeito aos contratos, do combate à inflação. Nesse nível de análise, importa menos constatar que o atual governo exagerou na dose, sendo mais significativo ressaltar a adoção de princípios demonizados no passado e menos as opções conjunturais de sua aplicação.
No segundo caso, algum amadurecimento ideológico e o pragmatismo concorreram para que o PT abandonasse a linha de descrédito institucional que seus porta-vozes mais ousados -não necessariamente os mais radicais- protagonizavam, a exemplo da inglória campanha do "fora FHC". A incorporação do caminho democrático acabou redundando na vitória inquestionável de Lula no pleito presidencial do ano passado. Mais ainda: a transição se fez de forma altamente civilizada, graças a afinidades pretéritas e ao comportamento civilizatório do ex-presidente Fernando Henrique.
Como a afirmação do consenso é recente, e dadas as peculiaridades do país, não podemos afirmar que ele esteja definitivamente implantado. Se o anunciado crescimento não se sustentar, as opções populistas, cujos aderentes vão muito além do espectro governista, poderão voltar à tona. O mesmo se diga das tentações autoritárias, sob roupagens variadas, sempre à espreita no âmago de nossa cultura política. Mas o rumo mais provável não é esse, o que nos induz a um moderado otimismo.
Por último, para evitar mal-entendidos, não estou pregando a "harmonia universal" -produto tão ingênuo quanto inatingível. Repisando uma banalidade, mas às vezes as banalidades são esquecidas, controvérsias e conflitos existem e continuarão existindo em qualquer país. Com a diferença de que, nos países democráticos, elas não se prestam a explosões quase sempre negativas, mas a transparentes disputas ideológicas e de interesses.


Boris Fausto é historiador e cientista político.


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