|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Ensino que ensine
JOGAR COM as ambigüidades,
cultivar o improviso, juntar o
que se pretende irreconciliável
e dividir o que se supõe unitário,
usar falta de método como método,
tratar enigmas como soluções e o
inesperado como o caminho -são
traços da cultura do povo brasileiro. Estratégias de sobrevivência?
Por que não também manancial de
grandes feitos, tanto na prática como no pensamento?
A orientação de nosso ensino
costuma ser o oposto dessa fecundidade indisciplinada: dogmas
confundidos com idéias, informações sobrepostas a capacitações,
insistência em métodos "corretos"
e em respostas "certas", ditadura
da falta de imaginação. Nega-se voz
aos talentos, difusos e frustrados,
da nação. Essa contradição nunca
foi tema de nosso debate nacional.
Entre nós, educação é assunto para
economistas e engenheiros, não
para educadores, como se o alvo
fosse construir escolas, não construir pessoas.
Preconizo revolução na orientação do ensino brasileiro. Nada tem
a ver com falta de rigor ou com modismo pedagógico. E exige professorado formado, equipado e remunerado para cumprir essa tarefa libertadora.
Em matemática, por exemplo,
em vez de enfoque nas soluções
únicas, atenção para as formulações alternativas, as soluções múltiplas ou inexistentes e a descoberta de problemas, tão importante
quanto o encontro de soluções. Em
leitura e escrita, análise de textos
com a preocupação de aprofundar,
não de suprimir, possibilidades de
interpretação; defesa, crítica e revisão de idéias; obrigação de escrever todos os dias, formulando e reformulando sem fim. Em ciência, o
despertar para a dialética entre explicações e experimentos e para os
mistérios da relação entre os nexos
de causa e efeito e sua representação matemática. Em história, e em
todas as disciplinas, as transformações analisadas de pontos de vista
contrastantes.
Nada disso se parece com o objetivo -cretino- de fazer do aluno
um simulacro humano da enciclopédia. Tudo se destina a capacitá-lo
a compreender realidades, a mobilizar saber e a usar e desenvolver
idéias. O mesmo objetivo vale desde o pré-primário até a pós-graduação universitária.
Isso é educação. O resto é perda
de tempo. O resto absorve os esforços da grande maioria das escolas
no Brasil e em muitos outros países. Os pais se dão por satisfeitos
quando seus filhos tiram boas pontuações em provas nacionais e internacionais voltadas para a informação e a destreza.
Quem lutará para que a educação
no Brasil eduque?
www.robertounger.net
ROBERTO MANGABEIRA UNGER escreve às terças-feiras nesta coluna.
Texto Anterior: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: A informação que falta Próximo Texto: Frases
Índice
|