São Paulo, terça-feira, 09 de janeiro de 2007

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ROBERTO MANGABEIRA UNGER

Ensino que ensine

JOGAR COM as ambigüidades, cultivar o improviso, juntar o que se pretende irreconciliável e dividir o que se supõe unitário, usar falta de método como método, tratar enigmas como soluções e o inesperado como o caminho -são traços da cultura do povo brasileiro. Estratégias de sobrevivência?
Por que não também manancial de grandes feitos, tanto na prática como no pensamento? A orientação de nosso ensino costuma ser o oposto dessa fecundidade indisciplinada: dogmas confundidos com idéias, informações sobrepostas a capacitações, insistência em métodos "corretos" e em respostas "certas", ditadura da falta de imaginação. Nega-se voz aos talentos, difusos e frustrados, da nação. Essa contradição nunca foi tema de nosso debate nacional.
Entre nós, educação é assunto para economistas e engenheiros, não para educadores, como se o alvo fosse construir escolas, não construir pessoas. Preconizo revolução na orientação do ensino brasileiro. Nada tem a ver com falta de rigor ou com modismo pedagógico. E exige professorado formado, equipado e remunerado para cumprir essa tarefa libertadora.
Em matemática, por exemplo, em vez de enfoque nas soluções únicas, atenção para as formulações alternativas, as soluções múltiplas ou inexistentes e a descoberta de problemas, tão importante quanto o encontro de soluções. Em leitura e escrita, análise de textos com a preocupação de aprofundar, não de suprimir, possibilidades de interpretação; defesa, crítica e revisão de idéias; obrigação de escrever todos os dias, formulando e reformulando sem fim. Em ciência, o despertar para a dialética entre explicações e experimentos e para os mistérios da relação entre os nexos de causa e efeito e sua representação matemática. Em história, e em todas as disciplinas, as transformações analisadas de pontos de vista contrastantes.
Nada disso se parece com o objetivo -cretino- de fazer do aluno um simulacro humano da enciclopédia. Tudo se destina a capacitá-lo a compreender realidades, a mobilizar saber e a usar e desenvolver idéias. O mesmo objetivo vale desde o pré-primário até a pós-graduação universitária.
Isso é educação. O resto é perda de tempo. O resto absorve os esforços da grande maioria das escolas no Brasil e em muitos outros países. Os pais se dão por satisfeitos quando seus filhos tiram boas pontuações em provas nacionais e internacionais voltadas para a informação e a destreza. Quem lutará para que a educação no Brasil eduque?


www.robertounger.net

ROBERTO MANGABEIRA UNGER
escreve às terças-feiras nesta coluna.


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