|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Os vilões de sempre
RIO DE JANEIRO - Os vários Andrés (Gide, Breton, Malraux, Bazin), Jacques Prévert, Sartre, Camus, Boris Vian, Genêt, Merleau-Ponty, Truffaut e demais franceses
que fizeram a cabeça do século 20 a
partir de uma mesa de café em Paris
e de um cigarro na boca seriam, hoje, inviáveis. Se vivessem em 2008,
e quisessem continuar filosofando,
poderiam tudo, menos fumar.
Em sua época, havia um forte
aroma de contravenção no surrealismo, no realismo poético, no existencialismo, na fenomenologia, na
Nouvelle Vague e nas outras disciplinas que ficamos devendo a esses
homens. E, embora não existisse
nenhuma relação, todos fumavam
como se fosse para salvar a vida.
Mas teria sido a mesma coisa se, entre um "pourquoi" e um "parce
que", em vez do onipresente Gauloise, eles mascassem chicletes ou
chupassem jujubas?
A proibição de fumar em lugares
fechados na França, a valer desde o
primeiro dia do ano, é uma saudável
vitória da campanha antitabagista,
porque os franceses, de fato, fumam
demais -com o mesmo fanatismo
com que os americanos comem batata frita com ketchup e os brasileiros bebem cerveja.
Na Inglaterra, por sua vez, o primeiro-ministro Gordon Brown
anunciou no mesmo dia que os fumantes britânicos poderão ter "dificuldade de acesso ao sistema nacional de saúde". A idéia é a de que
quem não fuma não é obrigado a financiar com seus impostos o tratamento das mazelas de quem fuma.
Dito assim, faz sentido. Mas esse
mesmo fumante, e que também paga impostos, será obrigado a financiar o tratamento das mazelas de
quem se entope de fast food? Ou de
quem bebe demais ou de quem usa
outras drogas? No entanto, Brown
não se lembrou de ameaçar os usuários de cheeseburgers, conhaque ou
cocaína. Sobrou apenas para os fumantes, os vilões de sempre.
Texto Anterior: Brasília - Igor Gielow: Obama e o Brasil Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Morreu mesmo Índice
|