São Paulo, Terça-feira, 09 de Fevereiro de 1999
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Por um novo pacto federativo



O governador tem sido responsabilizado pelo agravamento da crise econômica no Brasil. É uma tolice absoluta
JOSÉ APARECIDO DE OLIVEIRA

A moratória decretada pelo governador Itamar Franco mostrou uma realidade que não era apenas mineira, mas de todos os Estados. Ela denunciou que o Brasil tem neste momento um grande desafio, que é a construção de um novo pacto federativo.
O governador tem sido responsabilizado pelo agravamento da crise econômica no Brasil, o que não é apenas maledicência de seus adversários ou tentativa de eximir-se de responsabilidades. É tolice absoluta. A crise vem, na verdade, dos desvios impostos ao Plano Real a partir do momento em que Itamar deixou a Presidência da República, quatro anos antes de sua investidura no governo de Minas Gerais.
No seu discurso de posse no governo, em 1º de janeiro, Itamar disse: "A independência política exige autonomia econômica. Não podemos continuar aceitando a drenagem do nosso trabalho para custear os equívocos de uma política econômica".
Essa drenagem é dupla: há os recursos que o Brasil transfere para outros países, que vão criar neles não apenas riqueza, mas também empregos; e há os que Estados e municípios transferem para o governo federal. No mesmo discurso, o governador denunciou: "Receio que Estados financeiramente enfraquecidos não tenham forças para conter a centralização tributária que a equipe econômica deseja". Dessa centralização resultou a imposição aos Estados de acordos de reconhecimento e pagamento de dívidas que os respectivos governos não têm como cumprir.
O governador Mário Covas, reeleito em São Paulo, disse em seu discurso de posse que seu Estado honraria os compromissos que assumiu. Esses compromissos foram firmados pelo próprio Covas em seu primeiro mandato e contraídos em termos que o novo governo do Estado, chefiado pelo mesmo governador, considera possível cumprir. O caso de Minas é diferente.
A parcela da dívida de Minas negociada com o governo federal pelo governo estadual anterior prevê juros de 7,5% ao ano, um e meio ponto percentual acima dos 6% que São Paulo e Rio aceitaram pagar. O montante da dívida dos Estados, dos municípios e da própria União elevou-se estupidamente nos últimos anos por causa de juros com os quais não dá mais para conviver.
No ano passado, antes da moratória do governador Itamar e mesmo de sua eleição e sua posse, o governo federal adotou aumentos espantosos nas taxas de juros, na tentativa inútil e infantil de preservar a cotação cambial de nossa moeda e evitar saídas de dólares, as quais reduziram nossas reservas a menos da metade e levaram o governo federal a contratar empréstimos de mais de US$ 40 bilhões no exterior.
Se o então presidente Itamar tivesse aceito a idéia de reeleger-se, o Plano Real teria seguido sua inspiração inicial e corrigido o câmbio desde logo. Sem essa correção, a economia brasileira foi submetida à ditadura do dólar, e os Estados e municípios, à ditadura desse ente que não existe constitucionalmente -a equipe econômica.
As mudanças introduzidas em 1996 no texto original da Constituição conduziram a um retrocesso na repartição da receita tributária, gerando a situação de penúria dos Estados e municípios. Com isso, a tendência centralizadora readquiriu extraordinária ampliação dos poderes federais. A ponto de o presidente ter reagido às declarações do novo governador de Minas com a afirmação de que se considera a maior autoridade da República, quando, pela Constituição, é apenas a maior autoridade do Poder Executivo da União, sem a prerrogativa de submeter a seus desejos outras autoridades, como o Congresso, o Supremo Tribunal Federal, os governadores e as Assembléias Legislativas dos Estados.
Agora, o país reclama nova correção, de modo a implantar o equilíbrio nas relações entre a União e os Estados.
A situação da economia nacional, como diz o senador José Alencar, ficou transparente com a decisão de Itamar Franco. No momento em que decretou a moratória, o governador feriu de morte essa equipe econômica que vinha mantendo o Brasil sob sua ditadura. Começa a formar-se a consciência da necessidade de um novo pacto federativo, com uma ação política voltada para a nossa realidade regional, dos Estados e dos municípios.


José Aparecido de Oliveira, 69, é presidente da Fundação Oscar Niemeyer (RJ). Foi embaixador do Brasil em Portugal (1993-95), ministro da Cultura (governo Sarney) e governador do Distrito Federal (1986-87).




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