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JOSÉ SARNEY
Um susto em Xangai
ESTAMOS em pleno mundo
das expectativas e de contagiante nervosismo. Não só
dos homens mas das máquinas
também. Os computadores programados para detectar a menor
ameaça ou anormalidade ficam
mais frenéticos que cantor de rock.
Vejam um exemplo claro e inatacável disso no recente episódio da
Bolsa de Xangai. Derrubou logo as
Bolsas do mundo inteiro sem que
ninguém soubesse por quê.
Eu mesmo não sabia e, quando li
a notícia, veio-me à cabeça o
"crack" de 29: a China entra em
quebradeira! Nada disso. Chego a
Nova York e vou fazer uma palestra
no "Council of the Americas", instituição-irmã da "America's Society" que trata de economia, coisa
em que não tenho nenhuma autoridade para falar. Meu tema era o
Brasil. Vendi meu peixe dizendo do
excelente período que atravessamos, de tranqüilidade econômica,
política e financeira. Anunciei nossa chegada às reservas de US$ 100
bilhões, bons números na área social e nenhuma ameaça ou sintoma
de que a nossa democracia não esteja cada vez mais forte e sendo
mais aprofundada.
Mas tinha certeza de que o dia
que escolheram para mim não era
dos melhores: a tal queda da Bolsa
de Xangai. Perguntei ao presidente
do maior banco americano, que entrava a meu lado: "E as conseqüências do que ocorre em Xangai?". Ele
respondeu, com certo desdém de
quem ouve uma pessoa totalmente
desinformada: "Nenhuma". "Como nenhuma?" retruquei. "A Bolsa
de Xangai é muito pequena, fechada, só negocia títulos chineses e nada pesa em relação à economia
mundial", ele esclareceu seu julgamento. "Mas as Bolsas do mundo
inteiro acompanharam essa queda". "Nervosismo de computador.
Quando sente que em algum lugar
do mundo alguém realiza um lucro
maior, ele dispara "fogo" e não se
procura saber se é de um fósforo ou
de uma bomba nuclear".
Fiquei bobo, vendo o perigo que
nos espera com a tendência à histeria dessas máquinas. Lembrei-me
daquela velha anedota em que disseram a um sujeito (no tempo das
anedotas com português que, graças a Deus, cessaram) que sua mulher morrera em Niterói e ele pegou a barca e saiu alucinado para
casa. Só então, desesperado, raciocinou que não era casado nem morava em Niterói. Velharia sem graça, mas aplicável. As Bolsas que caíram no mundo todo não eram casadas nem moravam em Niterói. Nada tinham a ver com Xangai, titiquinha no rol dos centros de especulação mundial, disseram-me.
Concluiu o meu vizinho: "Crise é
quando a economia vai mal. O problema da China não é crescer, é
crescer menos do que cresce. Bolsa, para eles, ainda é coisa local". E
começou a tomar tranqüilamente
o seu café.
jose-sarney@uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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