São Paulo, domingo, 09 de abril de 2000


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Com os olhos abertos

ANTONIO ERMÍRIO DE MORAES

No passado, o valor de uma ação estava atrelado ao patrimônio da empresa. Hoje, está engatado ao número de seus consumidores, independentemente do patrimônio. É a chamada "nova economia" das empresas virtuais.
As empresas virtuais não possuem máquinas. Mas elas se dizem valiosas por terem muitos consumidores. Inúmeras pessoas compram suas ações porque tais empresas provam ter vendido bem nos últimos anos e prometem repetir o feito indefinidamente.
Alan Greenspan não se cansa de dizer que as Bolsas estão superaquecidas. Pouco têm adiantado os seus alertas. Para muitos, a "velha economia" já recebeu o atestado de óbito.
Na nova economia, dizem, os princípios são outros, na maioria contrários aos da velha economia: quando os juros sobem, o consumo aumenta -em lugar de cair-, a Bolsa dispara -em vez de despencar- e a economia se expande.
Ao se indagar sobre o porquê dessa reviravolta de princípios, na qual nem a subida do preço do petróleo afeta os novos negócios, o administrador da empresa virtual diz: "Eu não tenho caminhões e não consumo petróleo. Por isso, esse preço não me abala e os meus acionistas sabem disso, razão pela qual as minhas ações continuam subindo. O meu negócio independe da Opep".
Qual é a sobrevida dessa artificialidade? Afinal, as empresas virtuais vendem o que foi produzido por alguém que vive no mundo real. Elas têm como consumidores os trabalhadores cujos empregos estão nas empresas reais.
É claro que muita coisa mudou e que as novas tecnologias abriram um novo mundo para os negócios. Mas há limites. Se a ação de uma empresa virtual tem uma boa relação entre preço e lucro nos dias atuais, isso não significa que será assim pelo resto da vida. Outros investidores deverão surgir para oferecer os mesmos bens e serviços por preços menores, flagrando o artificialismo das Bolsas.
O mundo já viveu outras bolhas de euforia que tiveram um fim trágico. Assim aconteceu com o "crash" da Wall Street em 1929 e com o "crack" do Japão em 1998.
As pessoas que hoje vivem os dias de glória porque detêm em sua carteira uma enormidade de papéis virtuais podem acordar amanhã com uma desagradável surpresa se as empresas reais tiverem problemas para produzir e vender.
Os especialistas estimam que a Bolsa americana está sobrevalorizada em aproximadamente 60%. Os americanos gastam 6% acima do que podem com base na falsa euforia da propriedade de papéis virtuais (Ruben Almonacid e Humberto Spolador, "Para Onde Vai a Economia Americana?", Fipe, fevereiro de 2000).
Ninguém deseja a catástrofe, é claro. Mas está na hora de as pessoas desconfiarem que ninguém vai enriquecer separando-se dos investimentos e do trabalho produtivos. O ilusionismo é sempre agradável. Mas desvanece na hora em que o espetáculo termina. Abra os olhos.


Antonio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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