São Paulo, sexta-feira, 09 de abril de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Salário mínimo, a oportunidade


PAUL SINGER

Na economia capitalista, o salário é o mais importante dos preços, pois ele determina a participação dos trabalhadores no produto social. E, de todos os salários, o mais importante é o salário mínimo, pois ele determina o piso do padrão de vida operário. No Brasil, ao ser reajustado anualmente, o salário mínimo influi poderosamente na repartição da renda e na dinâmica do consumo familiar, já que ele define as escalas salariais de base dos assalariados tanto formais como informais. Mesmo os trabalhadores não-assalariados formalmente usam o salário mínimo para avaliar a remuneração que demandam pelos serviços que prestam.
Na atual conjuntura da economia, o reajustamento do salário mínimo é crucial, pois ele oferece uma oportunidade de inverter o rumo ascendente do desemprego, dando ao crescimento econômico brasileiro o impulso de que necessita.
O governo vem tomando medidas, desde meados do ano passado, para ampliar a oferta de crédito aos mais pobres, a juros menores do que os praticados no mercado. A mais importante foi a abertura de contas simplificadas, principalmente nos bancos públicos, por aqueles que nunca tiveram acesso aos serviços do sistema financeiro oficial. Os titulares dessas contas estão recebendo empréstimos de até R$ 600, pagando 2% de juros ao mês. De forma semelhante, as centrais sindicais fizeram acordos com bancos privados para que os trabalhadores de suas bases pudessem receber empréstimos, a serem pagos mediante desconto em folha, também com taxas favorecidas de juros.
Medidas como essas, juntamente com a redução mensal da taxa oficial de juros, são provavelmente responsáveis pela recuperação do crescimento econômico no último trimestre de 2003. Mas, neste ano, o crescimento perdeu o fôlego quando o Banco Central suspendeu as reduções da taxa de juros, em janeiro e fevereiro. Houve uma reversão de expectativas, tanto de inversores como de consumidores.
O otimismo quanto à queda do desemprego cedeu lugar ao pessimismo e os trabalhadores estão usando o crédito mais barato para saldar dívidas, provavelmente assumidas a juros mais altos. Mas a esperada expansão do consumo não tem se verificado.
De acordo com o IBGE, as vendas no varejo em janeiro deste ano subiram 6,09% em relação ao mesmo mês de 2003. Parece um bom crescimento, mas em janeiro de 2003 as vendas haviam caído 4,33% em relação a janeiro de 2002, de modo que, nos dois últimos anos, o comércio varejista cresceu menos de 1,5%. Parece não haver dúvida de que a severa queda nos rendimentos do trabalho, somada à expectativa de maior risco de perda do emprego, inibe os gastos de consumo e, por conseqüência, a expansão da produção e do emprego.
Por tudo isso, um reajuste substancial do salário mínimo, bem acima da elevação do custo de vida, é mais do que oportuno neste momento. Ele ocasionaria um aumento imediato e vigoroso do consumo dos mais pobres, pois, se estes não ousam comprar a crédito, com medo de não poderem saldar a dívida, tudo leva a crer que não hesitarão em gastar um acréscimo de rendimento que não precisa ser devolvido.


Um reajustamento substancial do salário mínimo, bem acima da elevação do custo de vida, é mais do que oportuno
Uma elevação do salário mínimo real repercute positivamente nos rendimentos dos que ganham acima dele, pois as diferenças salariais tendem a ser preservadas. O aumento beneficia, em proporção decrescente, pelo menos os que ganham até dois salários mínimos, possivelmente até três. Segundo o Censo de 2000, 51,4% dos assalariados brasileiros ganhavam até dois mínimos e 65,2%, até três.
Um reajustamento generoso do salário mínimo beneficiaria a maioria dos assalariados diretamente, recuperando parte das perdas sofridas nos últimos anos. E a beneficiaria indiretamente, ao acelerar o crescimento da demanda efetiva e, portanto, da produção e do emprego.
Uma proposta como essa encontra sempre como objeção principal o seu efeito sobre o gasto público. Não resta dúvida de que um aumento significativo do salário mínimo repercutiria sobre o dispêndio do sistema previdenciário, pois elevaria na mesma proporção o piso dos benefícios. Além disso, União, Estados e municípios arcariam também com o impacto desse aumento sobre suas folhas de pagamento.
Mas esse efeito expansivo sobre o gasto público seria compensado pelo aumento da arrecadação fiscal decorrente da elevação da atividade econômica. Não temos elementos para estimar em que medida essa compensação ocorreria no curto prazo, imediatamente depois da entrada em vigor do novo salário mínimo. Mas, em prazo um pouco maior, sem dúvida o crescimento econômico sustentado ensejaria um aumento da receita tributária maior do que a elevação do gasto provocado pelo reajustamento do salário mínimo. Sem falar dos efeitos que ele teria sobre a desigualdade de rendas.
A responsabilidade pelas idéias aqui expostas é exclusivamente minha e em nada compromete a instituição para a qual trabalho.

Paul Singer, 72, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).


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