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TENDÊNCIAS/DEBATES
Salário mínimo, a oportunidade
PAUL SINGER
Na economia capitalista, o salário
é o mais importante dos preços,
pois ele determina a participação dos
trabalhadores no produto social. E, de
todos os salários, o mais importante é o
salário mínimo, pois ele determina o piso do padrão de vida operário. No Brasil, ao ser reajustado anualmente, o salário mínimo influi poderosamente na repartição da renda e na dinâmica do consumo familiar, já que ele define as escalas salariais de base dos assalariados
tanto formais como informais. Mesmo
os trabalhadores não-assalariados formalmente usam o salário mínimo para
avaliar a remuneração que demandam
pelos serviços que prestam.
Na atual conjuntura da economia, o
reajustamento do salário mínimo é crucial, pois ele oferece uma oportunidade
de inverter o rumo ascendente do desemprego, dando ao crescimento econômico brasileiro o impulso de que necessita.
O governo vem tomando medidas,
desde meados do ano passado, para
ampliar a oferta de crédito aos mais pobres, a juros menores do que os praticados no mercado. A mais importante foi
a abertura de contas simplificadas, principalmente nos bancos públicos, por
aqueles que nunca tiveram acesso aos
serviços do sistema financeiro oficial.
Os titulares dessas contas estão recebendo empréstimos de até R$ 600, pagando 2% de juros ao mês. De forma semelhante, as centrais sindicais fizeram
acordos com bancos privados para que
os trabalhadores de suas bases pudessem receber empréstimos, a serem pagos mediante desconto em folha, também com taxas favorecidas de juros.
Medidas como essas, juntamente com
a redução mensal da taxa oficial de juros, são provavelmente responsáveis
pela recuperação do crescimento econômico no último trimestre de 2003.
Mas, neste ano, o crescimento perdeu o
fôlego quando o Banco Central suspendeu as reduções da taxa de juros, em janeiro e fevereiro. Houve uma reversão
de expectativas, tanto de inversores como de consumidores.
O otimismo quanto à queda do desemprego cedeu lugar ao pessimismo e
os trabalhadores estão usando o crédito
mais barato para saldar dívidas, provavelmente assumidas a juros mais altos.
Mas a esperada expansão do consumo
não tem se verificado.
De acordo com o IBGE, as vendas no
varejo em janeiro deste ano subiram
6,09% em relação ao mesmo mês de
2003. Parece um bom crescimento, mas
em janeiro de 2003 as vendas haviam
caído 4,33% em relação a janeiro de
2002, de modo que, nos dois últimos
anos, o comércio varejista cresceu menos de 1,5%. Parece não haver dúvida de
que a severa queda nos rendimentos do
trabalho, somada à expectativa de
maior risco de perda do emprego, inibe
os gastos de consumo e, por conseqüência, a expansão da produção e do emprego.
Por tudo isso, um reajuste substancial
do salário mínimo, bem acima da elevação do custo de vida, é mais do que
oportuno neste momento. Ele ocasionaria um aumento imediato e vigoroso
do consumo dos mais pobres, pois, se
estes não ousam comprar a crédito,
com medo de não poderem saldar a dívida, tudo leva a crer que não hesitarão
em gastar um acréscimo de rendimento
que não precisa ser devolvido.
Um reajustamento substancial do salário mínimo, bem acima da elevação do custo de vida, é mais do que oportuno
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Uma elevação do salário mínimo real
repercute positivamente nos rendimentos dos que ganham acima dele, pois as
diferenças salariais tendem a ser preservadas. O aumento beneficia, em proporção decrescente, pelo menos os que
ganham até dois salários mínimos, possivelmente até três. Segundo o Censo de
2000, 51,4% dos assalariados brasileiros
ganhavam até dois mínimos e 65,2%,
até três.
Um reajustamento generoso do salário mínimo beneficiaria a maioria dos
assalariados diretamente, recuperando
parte das perdas sofridas nos últimos
anos. E a beneficiaria indiretamente, ao
acelerar o crescimento da demanda efetiva e, portanto, da produção e do emprego.
Uma proposta como essa encontra
sempre como objeção principal o seu
efeito sobre o gasto público. Não resta
dúvida de que um aumento significativo do salário mínimo repercutiria sobre
o dispêndio do sistema previdenciário,
pois elevaria na mesma proporção o piso dos benefícios. Além disso, União,
Estados e municípios arcariam também
com o impacto desse aumento sobre
suas folhas de pagamento.
Mas esse efeito expansivo sobre o gasto público seria compensado pelo aumento da arrecadação fiscal decorrente
da elevação da atividade econômica.
Não temos elementos para estimar em
que medida essa compensação ocorreria no curto prazo, imediatamente depois da entrada em vigor do novo salário mínimo. Mas, em prazo um pouco
maior, sem dúvida o crescimento econômico sustentado ensejaria um aumento da receita tributária maior do
que a elevação do gasto provocado pelo
reajustamento do salário mínimo. Sem
falar dos efeitos que ele teria sobre a desigualdade de rendas.
A responsabilidade pelas idéias aqui
expostas é exclusivamente minha e em
nada compromete a instituição para a
qual trabalho.
Paul Singer, 72, professor titular da Faculdade de Economia e Administração da USP e pesquisador do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), é secretário nacional de Economia Solidária do Ministério do Trabalho. Foi secretário municipal do Planejamento de São Paulo (gestão Luiza Erundina).
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