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TENDÊNCIAS/DEBATES
A violência em ações policiais
PAULO DE MESQUITA NETO
O número recorde de mortes em
ações policiais registrado em 2003
e o brutal assassinato do dentista Flávio
Ferreira Sant'Ana por policiais militares
recolocam mais uma vez no centro das
atenções a questão da violência em
ações policiais no Estado de São Paulo.
Em 1995, o governo do Estado passou
a registrar e divulgar regularmente o
número de pessoas mortas e feridas em
ações policiais. No mesmo ano, criou a
Ouvidoria de Polícia, que passou a receber e acompanhar a investigação de denúncias de crimes e irregularidades envolvendo policiais. No ano anterior, foi
implementado o Programa de Acompanhamento de Policiais Militares Envolvidos em Ocorrências de Alto Risco
(Proar), por meio do qual a Polícia Militar passou a monitorar o equilíbrio psicológico e emocional dos policiais envolvidos em ocorrências com morte e a
oferecer-lhes assistência e tratamento.
Graças a essas ações, o Estado de São
Paulo dispõe hoje de dados e informações para começar a analisar a natureza,
a dimensão e as causas da violência em
ações policiais. O governo estadual e as
polícias dispõem de condições mínimas
para formular uma política de prevenção da violência na atuação de policiais,
que deve incluir ações punitivas -sem
se limita a elas-, visando promover
um estilo de policiamento que alie eficácia e eficiência na prevenção e na investigação do crime ao respeito à lei e aos
direitos humanos.
O governo do Estado e as polícias desenvolveram uma série de ações para
modernizar a organização e aperfeiçoar
o serviço policial nos últimos dez anos.
Entre elas, é importante destacar aquelas relacionadas à informatização dos
registros e do mapeamento de ocorrências criminais, policiamento comunitário, delegacias legais, gestão pela qualidade, procedimentos operacionais padrão, cursos de direitos humanos, treinamentos para o uso da força e fortalecimento das corregedorias. Tais ações,
entretanto, não foram implementadas
de forma articulada, consistente e continuada e tiveram alcance e impacto limitados.
Exemplo da descontinuidade na área
da segurança pública foi a Comissão Especial para Redução da Letalidade em
Ações Policiais, reunindo representantes do governo, polícias, ouvidoria, sociedade e universidade, instalada no início de 2001, mas desativada após a mudança na direção da Secretaria de Estado da Segurança Pública, no início de
2002.
Só em 2003, 975 pessoas foram mortas
por policiais. É o número mais alto registrado nos últimos dez anos. No mesmo ano, 126 policiais foram mortos. Para efeito de comparação, nos Estados
Unidos, que têm uma população sete
vezes maior e um efetivo policial cinco
vezes maior que o do Estado de São
Paulo, 297 pessoas foram mortas por
policiais e 51 policiais foram mortos em
confronto no ano 2000.
A polícia e os governantes são rápidos
em atribuir o aumento da letalidade em
ações policiais ao crescimento da violência na sociedade, ao aumento da violência contra os policiais e até mesmo à
intensificação das ações da polícia. O
problema com essas explicações é que a
letalidade em ações policiais no Estado
aumentou em 2002/2003, enquanto os
números de homicídios, de policiais
mortos e de prisões efetuadas caíram.
Está mais do que na hora de o governo, a polícia e a sociedade reconhecerem os interesses comuns, unirem forças
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Organizações da sociedade civil e centros de estudos e pesquisas já demonstraram sua disposição de colaborar com
o governo e a polícia na constituição de
um sistema permanente de monitoramento e avaliação da atuação da polícia,
de mapeamento e prevenção da corrupção e violência policial, bem como de
mapeamento e promoção de estilos de
policiamento e práticas policiais que
atendam efetivamente às expectativas
da população. Essa é a única forma de
dar mais transparência ao trabalho da
polícia, reduzir a violência e a letalidade
na sua atuação e reduzir a desconfiança
e a distância entre ela e a sociedade.
A persistirem os altos índices de letalidade em ações policiais, nem mesmo a
redução da criminalidade no Estado
conseguirá melhorar a imagem da polícia e aumentar a confiança da população na instituição. Diante de casos freqüentes e graves de violência e corrupção envolvendo policiais, reduções das
taxas criminais serão provavelmente
percebidas como resultados de outros
fatores, e não do trabalho da polícia.
A desconfiança da sociedade com relação à polícia pode interessar a algumas empresas de segurança privada,
mas não interessa à maioria da sociedade e da polícia. Está mais do que na hora
de o governo, a polícia e a sociedade reconhecerem os interesses comuns, unirem forças e desencadearem ações conjuntas para enfrentar de vez o problema
da violência em ações policiais, com o
objetivo de interromper e reverter a
curva ascendente de mortes nessas
ações e fazer com que as pesquisas de
opinião passem a registrar que a maioria da população tem mais confiança na
polícia do que medo dela.
A reativação e o fortalecimento da Comissão da Letalidade poderia ser um
passo importante nessa direção.
Paulo de Mesquita Neto, 42, doutor em ciência
política pela Universidade de Columbia (EUA), é
pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência
da USP.
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