São Paulo, domingo, 09 de abril de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O fim do petróleo árabe


Até recentemente, as grandes companhias de petróleo ganhavam com o mito de que as suas reservas seriam infinitas

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE

A despeito de inúmeros alertas feitos por analistas do setor sobre o iminente esgotamento do petróleo do Oriente Médio, os EUA vinham fundamentando sua política energética oficial até 2004 na convicção de que a Arábia Saudita iria dobrar sua produção de óleo cru, ou seja, passar dos atuais cerca de 10 milhões de barris por dia para 22 milhões, em 2025. Na mesma toada, Irã, Iraque e Kwait teriam de aumentar sua produção em 7,6 milhões, e, ainda, mais que 10 milhões seriam atribuídos à Rússia e a seus ex-satélites em torno do mar Cáspio.
Essas expectativas otimistas, para não dizer fantásticas, serviriam para compensar o declínio das reservas no Ocidente, atendendo ainda ao aumento da demanda, que seria de 57% neste período. Em 2005, Matthew Simmons, banqueiro texano que investe há décadas em petróleo em todo o mundo, publicou um livro em que confirma o que vinham dizendo os analistas há pelo menos duas décadas, ou seja, que a produção do petróleo saudita entrará em declínio em breve (todo mundo acredita em banqueiros, não em técnicos).
Para entender a questão, é preciso, em primeiro lugar, saber o que acontece com a prospecção e produção de um campo de petróleo, que é feita em quatro fases.
Após a descoberta, é ativado um grupo de poços de pequena produtividade, pois o campo ainda não é bem conhecido. É em uma segunda fase que são explorados os poços mais fecundos. Uma terceira fase ocorre quando os poços mais produtivos já estão em declínio, e os até então "rejeitados" são aproveitados. Um poço atinge o seu apogeu em poucos anos e, em seguida, tem um lento decaimento, chegando à metade da produção de pico em 20 ou 30 anos. Uma quarta fase eventualmente pode ocorrer quando a pressão devido aos gases no poço já diminuiu tanto que se torna necessário forçar a extração. Em média, apenas 30% do petróleo que impregna a rocha é expelido espontaneamente. Todavia, com as tecnologias de recuperação forçada atuais, é possível extrair mais 10%, aproximadamente.
O petróleo da Arábia Saudita provém quase todo (75%) de dois imensos campos "supergigantes" que foram ativados há quase cinco décadas, nos quais já se usa extensivamente injeção de água mesmo durante as fases dois e três.
Resta explicar por que a Arábia Saudita e os EUA negaram -e, até hoje, não reconhecem oficialmente- o declínio eminente da produção saudita.
A situação dos demais países árabes não deve ser melhor. É preciso não esquecer o fenômeno "supernatural" do aumento vertiginoso, em um único ano (1988), dessas reservas e das reservas dos demais países do Oriente Médio por um fator de dois a três. Ou seja, reservas comprovadas dobraram ou triplicaram milagrosa e simultaneamente em oito países da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) sem novas prospecções. A motivação, é claro, foi o acordo de que quotas de exportação seriam proporcionais às reservas declaradas.
Então, por que os técnicos do Departamento de Energia dos EUA acolheriam sem questionamento dados tão pouco confiáveis?
As quedas nas Bolsas dos países árabes logo após a difusão do livro de Simmons, embora sem uma relação direta com as reservas de petróleo, talvez expliquem a pantomima. A Bolsa de Dubai teve uma queda de 50% desde outubro de 2005 até hoje, e a da Arábia Saudita, de 30% nos últimos dois meses.
Aos poucos se faz luz. Os EUA acreditam -talvez com razão- em sua capacidade tecnológica e sabem que dispõem de algumas opções para a substituição do petróleo, como, por exemplo, a produção de gasolina e de diesel a partir do carvão, minério de que dispõem em grandes quantidades. De que valeria despertar o resto do mundo se o fim do petróleo lhes conferiria uma grande vantagem competitiva?
Teorias conspiratórias só são aceitáveis quando os ganhos que propiciam são tangíveis.
Até recentemente, as grandes companhias de petróleo ganhavam com o mito de que as suas reservas seriam infinitas. A dramática confissão de incapacidade feita por elas mesmas, em 2005, quando a verdade sobre o esgotamento das reservas do Ocidente já não era mais possível de ser ocultada, mostra o quanto era importante para o setor manter o mito do petróleo infindável. E era muito natural, portanto, que o governo americano, sempre muito ligado aos empresários do petróleo, colaborasse com o engodo.
Eis por que somente agora o empresário do petróleo e presidente dos EUA, George Bush, acuado pelas evidências, veio a reconhecer que "o americano é viciado em petróleo" e que é bom começar a pensar em economia de energia e em alternativas.


Rogério Cezar de Cerqueira Leite, 74, físico, é professor emérito da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e membro do Conselho Editorial da Folha.

Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Sergio Machado Rezende: O Brasil no espaço, um programa estratégico

Próximo Texto: Painel do leitor
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.