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JOÃO BATISTA NATALI
José Serra e a música
O GOVERNADOR José Serra
não é um homem inculto.
Economista com boa carreira acadêmica, tem ainda grande experiência na gestão de políticas públicas. Mas a música erudita não
está entre seus campos de interesse. Talvez apenas por isso ele corra
o risco de, já no início do governo,
colocar no currículo o título duvidoso de coveiro da Osesp, a Orquestra Sinfônica do Estado.
É essencialmente essa a dimensão do processo de fritura do diretor artístico John Neschling, que se
confunde com um dos únicos projetos coletivos da cultura brasileira
a se tornar uma ilha de excelência
de reconhecimento mundial.
O maestro tem a reputação de
estrela idiossincrática, de egocentrismo mal-humorado, de excessivamente caro. O que importa, no
entanto, é o produto de um trabalho que deu aos brasileiros uma auto-estima elevadíssima em termos
de produção de música sinfônica.
Neschling tem com a Osesp uma
relação osmótica. Não há como demiti-lo sem que se expatrie parte
dos músicos estrangeiros que ele
trouxe, sem que se abandone a ousadia do repertório ou se engavete
a projeção externa do Brasil por
suas turnês e gravações. E, sobretudo, sem que vá a pique a rotina de
elevada cultura para os milhares
que freqüentam os três concertos
semanais da Sala São Paulo.
Há para o governador um outro
ponto potencial de desonra. É o de
acabar com o Teatro São Pedro ou
transformar sua recente vocação
de espaço experimental para óperas. Foram dez produções no ano
passado -duas a mais que no Teatro Municipal. O teatro está sendo
cobiçado pelo olho gordo de produtores que gravitam em torno do tucanato. "Bravo, bravíssimo", como
diria ironicamente um personagem de "Don Giovanni", ópera picaresca de Mozart.
Serra estaria apenas seguindo o
mau exemplo do prefeito Gilberto
Kassab, que permitiu o recente
desmantelamento do Quarteto de
Cordas da Cidade de São Paulo. Se
seus músicos erraram, que sejam
punidos por multas ou suspensão.
Afastá-los e abrir concurso para
substituí-los não assegura a manutenção do mesmo padrão. Um conjunto de câmara apenas vai adiante
com afinidades estéticas que permitam mergulhar no repertório
com uma aguda simetria nos planos técnico e musical.
A Osesp, o São Pedro e o quarteto
podem caminhar para a vala comum das grandes frustrações brasileiras no campo da música erudita, que não sobrevive em nenhum
canto do mundo sem o amplo
apoio de governantes -mesmo nos
Estados Unidos, onde o Estado entra no jogo por meio da renúncia
fiscal. O resto é birra, é pirraça, é
estreiteza de visão. Atributos que o
governador certamente não quer
ter acoplados a sua imagem.
natali@folhasp.com.br
JOÃO BATISTA NATALI é repórter da Folha.
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