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Magia orçamentária
Executivo continua fazendo o que quer do Orçamento da União por causa da acomodação do Congresso Nacional
UMA PASSAGEM da Magna Carta, a protoconstituição britânica de
1215, determina que o
rei não poderá, exceto em casos
muito especiais, instituir tributos sem anuência dos súditos.
Daí surgiu o Parlamento inglês.
A história do Legislativo é indissociável da história do poder
de taxar. A mais efetiva das prerrogativas de um Parlamento é
decidir origem, montante e distribuição das verbas públicas. À
luz dessa origem histórica, o
Congresso brasileiro ainda está
na idade da pedra.
Por aqui, o Orçamento, que é o
documento onde deveria materializar-se a vontade soberana
dos representantes da população, converteu-se em menos do
que peça de ficção. É uma verdadeira colcha de retalhos, que, como se verificou nos últimos dias,
permite ao Executivo promover
um "corte" de R$ 19,4 bilhões e,
ao mesmo tempo, reestimar as
despesas obrigatórias elevando-as em pelo menos R$ 16,9 bilhões. Talvez haja ainda mais por
descobrir.
Tamanho arbítrio advém do
fato de que o Orçamento da
União se limita a autorizar o
Executivo a fazer as despesas.
Em países de mais sólida tradição democrática, a lei orçamentária obriga o governo a realizar
esses gastos. Tal como funciona
no Brasil, o mecanismo permite
ao governo contingenciar recursos e, assim, fazer uma arbitragem política sobre as verbas.
Trata-se inegavelmente de
uma tremenda vantagem para o
governo federal. O Planalto pode
gastar a parte disponível do Orçamento -excluídas despesas
obrigatórias como salários, juros, Previdência- mais ou menos como quer, sem ter de demorar-se em desgastantes negociações com o Congresso.
Seria um erro, porém, atribuir
o "statu quo" integralmente ao
Executivo, ainda que ele seja o
maior beneficiário da situação.
O faz-de-conta prospera em
grande parte porque o Congresso Nacional se furta a seus deveres. Especialmente em anos eleitorais, é pródigo em agir irresponsavelmente, aprovando aumentos irreais e reduzindo impostos sem apontar as reduções
na despesa, como se verificou no
caso da CPMF.
A dinâmica que se instituiu é
péssima. Deputados e senadores
aceitam docilmente os superpoderes orçamentários do Executivo. Em troca, servem-se de migalhas consubstanciadas nas famosas emendas parlamentares,
quase sempre obras assistencialistas e paroquiais, com as quais
beneficiam sua base eleitoral.
Como o governo sempre pode liberar ou não cada uma dessas
emendas, vale-se do recurso para
manter coesa a chamada base
aliada. Esta por vezes se rebela,
impondo ao Planalto um revés
qualquer que o força a renegociar o preço do apoio.
O ideal, como já se podia intuir
desde o século 13, é que o Orçamento seja uma peça impositiva,
pela qual os investimentos públicos seriam decididos segundo a
vontade geral da população. Antes de fazê-lo, entretanto, o Brasil precisa solucionar seu qüiproquó político, desenvolvendo um
sistema mais lógico -e menos fisiológico- de formação de maioria parlamentar.
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