São Paulo, quarta-feira, 09 de abril de 2008

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Magia orçamentária

Executivo continua fazendo o que quer do Orçamento da União por causa da acomodação do Congresso Nacional

UMA PASSAGEM da Magna Carta, a protoconstituição britânica de 1215, determina que o rei não poderá, exceto em casos muito especiais, instituir tributos sem anuência dos súditos. Daí surgiu o Parlamento inglês.
A história do Legislativo é indissociável da história do poder de taxar. A mais efetiva das prerrogativas de um Parlamento é decidir origem, montante e distribuição das verbas públicas. À luz dessa origem histórica, o Congresso brasileiro ainda está na idade da pedra.
Por aqui, o Orçamento, que é o documento onde deveria materializar-se a vontade soberana dos representantes da população, converteu-se em menos do que peça de ficção. É uma verdadeira colcha de retalhos, que, como se verificou nos últimos dias, permite ao Executivo promover um "corte" de R$ 19,4 bilhões e, ao mesmo tempo, reestimar as despesas obrigatórias elevando-as em pelo menos R$ 16,9 bilhões. Talvez haja ainda mais por descobrir.
Tamanho arbítrio advém do fato de que o Orçamento da União se limita a autorizar o Executivo a fazer as despesas. Em países de mais sólida tradição democrática, a lei orçamentária obriga o governo a realizar esses gastos. Tal como funciona no Brasil, o mecanismo permite ao governo contingenciar recursos e, assim, fazer uma arbitragem política sobre as verbas.
Trata-se inegavelmente de uma tremenda vantagem para o governo federal. O Planalto pode gastar a parte disponível do Orçamento -excluídas despesas obrigatórias como salários, juros, Previdência- mais ou menos como quer, sem ter de demorar-se em desgastantes negociações com o Congresso.
Seria um erro, porém, atribuir o "statu quo" integralmente ao Executivo, ainda que ele seja o maior beneficiário da situação.
O faz-de-conta prospera em grande parte porque o Congresso Nacional se furta a seus deveres. Especialmente em anos eleitorais, é pródigo em agir irresponsavelmente, aprovando aumentos irreais e reduzindo impostos sem apontar as reduções na despesa, como se verificou no caso da CPMF.
A dinâmica que se instituiu é péssima. Deputados e senadores aceitam docilmente os superpoderes orçamentários do Executivo. Em troca, servem-se de migalhas consubstanciadas nas famosas emendas parlamentares, quase sempre obras assistencialistas e paroquiais, com as quais beneficiam sua base eleitoral. Como o governo sempre pode liberar ou não cada uma dessas emendas, vale-se do recurso para manter coesa a chamada base aliada. Esta por vezes se rebela, impondo ao Planalto um revés qualquer que o força a renegociar o preço do apoio.
O ideal, como já se podia intuir desde o século 13, é que o Orçamento seja uma peça impositiva, pela qual os investimentos públicos seriam decididos segundo a vontade geral da população. Antes de fazê-lo, entretanto, o Brasil precisa solucionar seu qüiproquó político, desenvolvendo um sistema mais lógico -e menos fisiológico- de formação de maioria parlamentar.


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