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JOSÉ SARNEY
Ode ao
bigode
SOU SUPERSTICIOSO e acho
que sempre me dei bem com o
meu bigode. Não o trato com
cuidado. Às vezes o deixo grande,
outras, pequeno. Não mantenho
coerência em sua tonalidade, que
clareia e escurece sem que eu conserve a cor estável. Já foi maior, indo além dos lábios, e outras vezes
foi menor e mais cheio.
Ele me acompanha desde os 16
anos, quando, para parecer mais
velho, o adotei, abandonando a cara de criança que não achava combinar com meu serviço: contínuo
da Polícia Civil do Maranhão, servindo café e distribuindo correspondência.
Começando a trabalhar em jornal, logo me colocaram o apelido de
"bigodinho". "Ê tu do bigodinho,
faz a revisão deste texto". E por aí
passei a integrar-me a ele, companheiro da vida inteira.
Uma noite, em São João Del Rey,
encontrei o Chico Caruso e lhe disse: "Eu ajudo muito os chargistas".
E ele replicou: "Em quê?". "Com
meu bigode, que facilita o trabalho
de vocês".
Mas meu bigode teve outras
ameaças. O Brizola, num daqueles
rompantes de frases cruas, disse
uma vez: "Vou raspar o bigode do
Sarney". E Vitorino Freire, meu
adversário duro e violento do Maranhão, também, em momento de
fúria agressiva, em vez de querer
raspar, ameaçou: "Vou arrancar o
bigode do Sarney a pinça, fio por
fio". Pediram-me a resposta.
Calmamente, como é do meu feitio, apenas comentei: "Vai doer
muito...".
O certo é que ele resistiu a tudo e
a todos.
Não é que agora, eu tranquilo, fui
ao médico para retirar uma lesão
que encontraram em meu lábio superior, que foi novamente examinada, e o médico relatou os procedimentos a fazer: o primeiro deles,
raspar o bigode. Eu quase desmaio.
"Doutor, este bigode já sofreu muita agressão e foi gozado em prosa e
verso, o senhor acha que vou raspá-lo? A medicina está tão atrasada
que não pode manter um bigode?".
Quem se deu bem quando colocou bigode foi Caxias. Chegou ao
Maranhão coronel, para pacificar a
Balaiada, em 1840, sem bigode. Como sempre fez, agiu com a espada
firme numa mão e a bandeira da
anistia na outra. Concluiu a tarefa,
veio a Maioridade e ele viajou ao
Rio para a coroação de dom Pedro
2º já com um farto bigode, que deixara crescer no Maranhão. Chegando à Corte, foi eleito deputado e
feito Barão de Caxias. A partir daí,
foram só vitórias e aumentar o bigodão até chegar a Duque.
Eu, graças a Deus, preservei o
meu e apenas fiquei uns dias com
dificuldade na articulação da palavra. Melhor assim, porque hoje,
com 50 anos de Parlamento, cheguei à conclusão de que ali não é lugar de falar, e sim de ouvir. O Mão
Santa já fala por todos.
jose-sarney uol.com.br
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras
nesta coluna.
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