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OTAVIO FRIAS FILHO
Pós-fascismo
Tempos atrás, um líder político
que aliasse a condição de sociólogo à de militante homossexual e que
fosse, então, assassinado seria um dirigente "progressista", vítima da costumeira violência de direita. Mas o holandês Pim Fortuyn, assassinado segunda-feira, a uma semana das eleições gerais, era o dirigente da extrema
direita local.
O ascenso da extrema direita na Europa, que participa do governo em pelo menos dois países (Áustria e Itália),
dá apoio ao governo em outros dois
(Noruega e Dinamarca) e chegou ao
segundo turno na França, parece bem
explicado. A unificação européia gera
uma reação alérgica, histérica, nos
grupos sociais ameaçados por essa arquitetura que repete, em escala concentrada, a globalização capitalista.
Outro fator, menos visível, favoreceu os pós-fascistas. Com o fim das alternativas programáticas, a esquerda e
a direita tradicionais, "civilizadas",
convergiram para uma espécie de Partido Único que hoje governa o planeta. Nosso próprio presidente, sociólogo heterossexual, comporta-se como
entusiasta dessa Internacional Centrista.
Em decorrência, os insatisfeitos tendem a ser deslocados para as duas
pontas do espectro político, o que beneficiou o "alternativo" Ralph Nader
nos EUA e o agrupamento trotskista
na França, cuja presença contribuiu,
aliás, para a vitória da direita. A extrema direita voltou a ter voz, embora
nada faça crer que possa tornar-se algum dia majoritária.
Mas a extrema direita mudou? Ainda estão presentes as nauseantes características de hábito: o apego irracional a valores ligados ao "sangue" e
à "pátria", o culto aos lugares-comuns
do passado patriarcal, a fé cega numa
liderança autoritária, as atitudes boçais, o medo a tudo que pareça novo,
estrangeiro ou apenas diferente.
E, no entanto, neste mundo cada vez
mais pragmático, a extrema direita e
seus eleitores parecem menos preocupados com o domínio de uma "raça"
sobre as demais do que com questões
mais concretas como emprego e salário. Também eles têm críticas ao modelo centrista liberal que a esquerda
ora condena, ora termina por adotar.
No paradigma liberal, quanto mais
liberdade para os fatores de produção,
maiores serão a eficiência do conjunto
e os benefícios para toda a comunidade. Um liberal coerente deveria querer
liberdade não só para o capital mas
também para a força de trabalho, que
poderia migrar e se empregar de acordo com uma só lei: a da oferta e procura.
Tal programa, se aplicado, levaria o
desemprego nos países ricos a níveis
catastróficos e derrubaria qualquer
governo que o implementasse. Mas a
"flexibilização" liberal adotada pelos
governos centristas já fez devastação
social suficiente para que um quinto
dos eleitores, na França, por exemplo,
fosse empurrado para a atitude mais
regressiva.
Em culturas com tradição ideológica, a ansiedade é capitalizada por fascistas e por trotskistas. Num país como o Brasil, onde idéias felizmente
não são levadas tão a sério, nem para o
bem nem para o mal, a insatisfação
flutua a esmo, ao sabor do aventureiro
de cada momento e do escândalo de
cada semana, numa campanha até
agora nervosa, imprevisível.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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