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São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2003

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ELIANE CANTANHÊDE

Que coisa, hein?

BRASÍLIA - Não fica bem e não é politicamente correto o governo do PT falar simultaneamente em taxar inativos e em beneficiar devedores patronais da Previdência.
Com uma das mãos, argumenta com o déficit e a "injustiça social" para mudar o sistema de Previdência dos servidores públicos e até arranhar direitos adquiridos. Até com algum sentido, é verdade.
Com a outra, diz que é pragmático, precisa aprovar o Refis (programa de renegociação de débitos federais) e desobstruir a pauta de votação do Congresso. Por isso, inclui no projeto essa coisa inexplicável de suspender processo criminal contra patrão que recolheu contribuição previdenciária do seu empregado, mas não depositou no INSS. Isso é apropriação indébita. E apropriação indébita é crime.
Esse acordo é ruim em qualquer hipótese e fica pior ainda quando o governo é do PT, a presidência da Câmara é do PT e os líderes governistas são todos de esquerda. Pragmatismo em política é necessário. Mas, como tudo na vida, tem limite.
O episódio todo mostra que os grupos de interesse (ou lobbies) que sempre se movimentaram no Congresso e arredores continuam desinibidos e ganhando paradas importantes. O partido no poder mudou, mas o poder parece não mudar nunca.
Além disso, a decisão de alterar o projeto do Refis para livrar a cara dos devedores da Previdência ocorre no mesmo momento em que o Senado livra a cara de Antonio Carlos Magalhães no caso dos grampos da Bahia. Juntas, as duas coisas, de um lado, irritam a opinião pública e, de outro, excitam os aproveitadores habituais. Ajudam a desmanchar o mito de que, com o PT dando as cartas, tudo seria diferente no jogo. E criam brechas para pressões indecentes.
Num dia pode recolher dinheiro alheio, não depositar no INSS e ficar impune. No outro, vai poder também não pagar diferentes débitos públicos e ficar por isso mesmo. Até que tudo fique possível. E o Brasil mantenha justamente a fama de país onde tudo pode. O país do jeitinho. Ou o país da impunidade.


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