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São Paulo, sexta-feira, 09 de maio de 2003

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CLAUDIA ANTUNES

Inundação

RIO DE JANEIRO - Ao matar e ferir moradores do asfalto, ao fechar comércio e colégios, ao perturbar a circulação de carros e ônibus pelas avenidas do Rio, a violência relacionada ao tráfico ganha status de emergência nacional. É como se transbordasse para todos os lados a guerra suja que há anos submete um quinto da população da cidade, os mais de 1 milhão de cariocas que convivem nas favelas com o varejo de drogas.
Depois do tiro que deixou à morte a universitária de 19 anos, soubemos do desaparecimento três dias antes de dois moradores do morro do Turano, de onde partiu o disparo. Também fomos informados de que quatro jovens haviam sumido na vizinha favela do Borel. Policiais militares de um mesmo batalhão são suspeitos de tê-los sequestrado.
Episódios assim acontecem a toda hora, bem como as "mortes em confronto com a polícia", que chegaram em março a uma média de 3,6 por dia. Os policiais afirmam que as vítimas são ligadas à venda de drogas -quem haveria de questioná-los, uma vez que a conivência com o crime é igualmente exigida de políticos e prestadores de serviço que entram em áreas conflagradas?
A gravação de uma conversa entre dois traficantes, feita pela polícia paulista e divulgada nesta semana, descreve o funcionamento dessa ponta do tráfico: criminosos pretendem que a associação de moradores do morro pressione a polícia a suspender operações que prejudicam seus negócios; mais adiante, discutem a comissão semanal a ser paga a policiais militares. Os inocentes submergem nessa promiscuidade.
Ninguém, muito menos as autoridades, acredita que seja possível acabar com o tráfico. Exterminar as causas que provocam a violência -o exército de reserva de mão-de-obra, a corrupção policial, o livre fluxo de armas- é obra, se ainda exequível, de longuíssimo prazo. Por isso, reina a desconfiança de que o restabelecimento da sensação de segurança vá passar pela liberação informal do varejo de drogas, repondo a guerra suja em seu leito original. É cínico, mas ninguém iria reclamar, até a próxima inundação.


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