São Paulo, domingo, 09 de maio de 2004

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SEM PROJETO

Pressionado por inúmeras carências e às voltas com recorrentes crises, o Brasil tem sido, em muitos casos, administrado ao sabor das imposições de curto prazo. Se nos primeiros anos do presidente Fernando Henrique Cardoso divisava-se um projeto de consolidação da democracia e de liberalização econômica, em seu segundo mandato esse sentido de futuro naufragou no tumultuoso cotidiano político e econômico do país. Cada vez mais refém do fisiologismo e dos programas de gestão econômica delineados pelo FMI (que, afinal, salvara o país do pior), o governo FHC chegou ao ocaso com resultados sofríveis.
Sendo assim, seria natural que ganhasse ímpeto na sociedade brasileira o desejo de mudança. Um país cansado de tantas frustrações e premido pelo desemprego decidiu levar Luiz Inácio Lula da Silva ao Palácio do Planalto. A eleição do líder petista, com suas renovadas promessas de respeito aos contratos, parecia anunciar o início de uma nova era.
Ao renunciar ao esquerdismo econômico, Lula trataria de implementar políticas desenvolvimentistas e o PT teria a oportunidade, uma vez no governo, de adotar os projetos sociais que parecia possuir na oposição. Todas as aparências indicavam que o Brasil estava prestes a ganhar um novo projeto nacional.
Passados, porém, já 16 meses desde a posse de Lula, não são apenas os resultados que se apresentam escassos. O que está cada vez mais patente é que o PT não tinha, na realidade, um projeto de governo. Não o tinha em sentido amplo e tampouco em áreas específicas. Nada que se possa chamar assim foi apresentado para nortear as ações em frentes tão cruciais como as da saúde e da educação. Quem poderia imaginar que tão aguerridos oponentes de seguidos governos não tivessem já organizado, debatido e esmiuçado os planos para transformar o país?
Alguma diretriz, é verdade, pode ser identificada na política externa, embora não propriamente nova. E é fato que, na economia, o governo tem procurado adotar uma linha de coerência, assumindo, porém, o ideário da gestão anterior, simbolizado pela figura do ministro Pedro Malan, o qual o PT vivia a bombardear.
Afora isso, o que se mostra como o grande projeto petista não passa de esforços para a preservação do poder. Ocupar a máquina pública, assenhorear-se de órgãos e estruturas burocráticas, firmar compromissos fisiológicos é o que de mais notável se observa. Paralelamente a isso, flutua, quase sempre sem o amparo da realidade, a retórica bombástica e popularesca, na qual o presidente Lula se especializou.
Seu principal aliado nesse terreno são as ações de marketing, algumas francamente bisonhas, como a doação de ambulâncias que, supostamente novas, eram já usadas, ou a propaganda enganosa, com imagens falseadas, tirada às pressas do ar depois de desmascarada.
Convenha-se que merecia mais um país que se entregou tão decididamente à esperança de que algo imaginoso e produtivo fosse acontecer.


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