São Paulo, terça-feira, 09 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Mentiras contra o ajuste fiscal

YOSHIAKI NAKANO

A Folha de S.Paulo de 30 de abril de 2006 publicou com destaque a matéria "Calote de precatórios garante ajuste de Alckmin". O argumento apresentado pelo "especialista" que fez o estudo a pedido da Folha afirma: "Se forem descontados os pagamentos represados e os ganhos financeiros decorrentes, os resultados orçamentários mostrarão déficit, e não superávit, em todos os anos". Portanto, segundo o mesmo indivíduo, o equilíbrio das contas públicas nos 11 anos de gestão tucana é "fictício", pois o fator de ajuste das contas estaduais seria fruto do represamento dos precatórios.


O governo de São Paulo apresentou superávits, como consta nos relatórios aprovados pelo Tribunal de Contas


Nada mais longe da verdade. A matéria, além de mostrar total desconhecimento da sistemática das contas públicas, ignora solenemente os dados que mostram os grandes ajustes feitos durante o período, tais como redução do número de funcionários, ganhos de eficiência, aumento do volume de serviços prestados e aumento de arrecadação com redução das alíquotas de ICMS.
Todo o argumento se baseia num pobre exercício de clara má-fé. Textualmente, diz a matéria: "Khair recalculou o resultado orçamentário desse período contabilizando o saldo de precatórios ao final de cada ano constante do Relatório de Gestão Fiscal e a receita financeira obtida com a aplicação desses recursos". É inacreditável que um jornal de prestígio tenha publicado tal manipulação, que contabiliza duas vezes despesas de precatório, já que, por lei, na execução orçamentária de cada ano, o governo obrigatoriamente empenha e contabiliza como despesas todos os precatórios emitidos nos 12 meses que precedem o 1º de julho de cada ano, listagem esta enviada pelo Tribunal de Justiça, para ser incluída na proposta orçamentária.
É preciso lembrar ao especialista que, na contabilidade pública, as despesas devem por lei ser contabilizadas pelo regime de competência, e não pelo de caixa, e as receitas pelo regime caixa. Se alguma despesa do ano não for paga no próprio ano, ela será contabilizada obrigatoriamente no balanço financeiro e no balanço patrimonial, dando total transparência ao fato. Portanto, o governo de São Paulo apresentou, de acordo com a lei 4.320, superávits orçamentários, como constam nos relatórios oficiais publicados, auditados e aprovados pelo Tribunal de Contas do Estado.
O ajuste fiscal foi também reconhecido internacionalmente pela Moody's, a maior agência mundial de classificação de risco, conferindo ao Estado o rating "Ba2" (na escala global em moeda local), indicando moderado risco de crédito e a melhor nota atribuída a ente governamental do país dentre as esferas de governo, estadual e federal, regularmente avaliadas pela instituição.
Portanto, para afirmar que o ajuste foi "fictício", o especialista engana o leigo, contabilizando o saldo não pago duas vezes, aumentando a despesa e concluindo que houve déficit orçamentário. Além disso, para confundir ainda mais o leitor, calcula uma "receita financeira" inexistente, supondo que o governo tivesse deixado de pagar voluntariamente os precatórios, que estes recursos rendessem 12% a.a. mais inflação, e ainda deixasse de contabilizar esta "receita". Com esses dados, produz um quadro com "resultado orçamentário corrigido", este sim fictício. Praticar tal leviandade técnica pode levar as pessoas a concluírem que o consultor esteja à serviço da "indústria de precatório".
De fato deve ser observado que, do estoque de precatórios do Estado, que somou R$ 13 bilhões em 31 de dezembro de 2005, parcela significativa encontra-se pendente, pois não há concordância entre os credores e o Estado com relação aos índices de correção monetária aplicáveis, tendo em vista os sucessivos planos econômicos implementados nas últimas décadas. Encontram-se também pendentes diversos precatórios das chamadas ações ambientais decorrentes de desapropriações diretas, indiretas e ações indenizatórias. Existe uma verdadeira indústria de interesses ligados aos precatórios.
Durante os governos Covas/Alckmin, mesmo sentenças judiciais transitadas e julgadas, referidas por esta Folha como impossíveis de recorrer, mereceram ação de ajuste agindo para desconstituir a coisa julgada. O governo tem obtido sucesso revertendo grande parte dessas condenações, obtendo, junto aos tribunais superiores (STF e STJ), decisões favoráveis ao Estado ou o cancelamento/ suspensão de precatórios já expedidos com a anulação do respectivo processo para realização de nova perícia.
A maioria das condenações impostas ao Estado, nos processos judiciais relativos a essas ações, espelham indenizações muito superiores ao valor de mercado do imóvel, sendo o volume maior de precatórios concentrado nos exercícios de 1992 a 2001. Em alguns casos, o metro quadrado da Serra o Mar custava mais caro que o metro quadrado na av. Paulista. A Procuradoria Geral do Estado conseguiu, entre 1997 e 2001, suspender grande parte dessas condenações, permanecendo, ainda, um estoque de cerca de R$ 3,5 bilhões, decorrentes de decisões liminares obtidas no STF e no STJ. Mediante composições amigáveis, o governo tem logrado obter reduções no estoque da dívida e espera-se que essas iniciativas de acordo, juntamente com a possibilidade, mesmo numa estimativa conservadora, de êxito nas ações rescisórias ainda em julgamento, possam reduzir o estoque da dívida em cerca de 70%.
Além disso, é preciso lembrar que a Emenda Constitucional nº 30, de 13 de setembro de 2000, estabelece que o Poder Executivo poderá pagar em parcelas anuais em até 10 anos os precatórios não-alimentares pendentes na data da promulgação da emenda e os que decorreram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.
Antes de colocar em dúvida o ajuste fiscal do Estado de São Paulo, o articulista e o consultor especialista, para bem informarem o leitor, deveriam ter consultado o site da Secretaria da Fazenda e verificado, entre outras coisas, que os "11 anos da gestão tucana" reduziram o total de pessoal ativo de 912.026 para 743.312, redução de 168.714; a despesa de pessoal caiu, de mais de 60% da receita corrente líquida, para 50,47%; apesar de emitir centenas de atos de redução das alíquotas de ICMS, a eficiência na arrecadação aumentou em termos reais a receita em 58%; IPVA, 342%; só no ano de 2005, utilizando a Bolsa Eletrônica de Compras e Pregão, a redução do custo na compra de bens e serviços foi de R$ 1,943 bilhão, além de superávit primário e corrente.

Yoshiaki Nakano foi secretário da Fazenda do Estado de São Paulo no governo Mario Covas (1995-2001) e é diretor da Escola de Economia de São Paulo da FGV.


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