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Paz e rancor
Discurso "pós-lulista" de Serra contrasta com a dinâmica exaltada do debate sucessório nas bases partidárias
FAZEM SENTIDO, dentro da
sua estratégia de se apresentar como um candidato "pós-Lula", as declarações de José Serra em torno de
uma hipotética participação do
PT e do PV no seu governo, caso
venha a eleger-se em 2010.
"O Brasil vai precisar estar junto nos próximos anos", disse o
candidato tucano, que mais uma
vez procura descolar-se de uma
imagem excessivamente oposicionista, numa conjuntura marcada pela popularidade do presidente Lula.
A estratégia mostra habilidade
política, mas falta muito para
que se torne convincente. A ideia
de governar no futuro com os adversários do presente já havia sido formulada, na atual campanha, pela candidata Marina Silva,
questionada numa entrevista sobre a escassa base parlamentar
que seu partido, o PV, poderia
oferecer-lhe na remota eventualidade de uma vitória eleitoral.
A disposição de congregar nomes do PSDB e do PT também se
reveste de cores implausíveis no
discurso de Serra. Não porque
seja absurda: a rigor, PT e PSDB,
assim como seus candidatos, ostentam mais em comum do ponto de vista ideológico e prático do
que faz supor o clima plebiscitário deste início de campanha.
O problema dessa estratégia
conciliatória, que já mereceu a
qualificação espirituosa de "Serrinha paz e amor", não se localiza
nas altitudes, ainda gélidas e rarefeitas, em que se avistam mutuamente os principais candidatos à Presidência.
Basta descer um pouco a montanha para notar, nas assessorias
dos partidos, nos ativistas da internet, nas organizações militantes e mesmo em frações do eleitorado um ambiente de exaltação em tudo distinto da cortês
coreografia a que se dedicaram
Serra, Dilma e Marina no seu encontro desta quinta, no congresso da Associação Mineira de Municípios, em Belo Horizonte.
Já na entrada do evento, um
grupo de professores em greve
teve de ser dispersado pela polícia, após ameaçar de agressão o
candidato do PSDB. Com mais
discrição, mas não a ponto de
não serem desmascarados, assessores do DEM e do PP, na Câmara dos Deputados, repassaram e-mails com ataques à candidata Dilma Rousseff, vinculando-a a atos de terrorismo e assassinato durante o regime militar.
Por sua vez, volta o tema do "golpismo" entre militantes do PT.
Um jornal patrocinado pela direção nacional do partido adverte:
"É Dilma ou a barbárie", identificando implicitamente Serra e
Marina com o "capitalismo".
Enquanto o rancor e o sectarismo incendeiam as bases, os dois
principais candidatos entregam-se à busca de alianças que, quando não os afastam do centro político, submergem-nos na fisiologia e no oportunismo, com vistas
à maior fatia possível do horário
eleitoral. Curiosa campanha, enfim, onde convivem propostas
conciliatórias de Estado no discurso oficial e invectivas exaltadas na militância, com o pântano
-largo, absorvente, insaciável-
de permeio.
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