São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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Aloizio Mercadante

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - Uma das pouquíssimas coisas boas da natureza humana é que podemos escolher nossos heróis. Não temos o direito de escolher nem nossos parentes (pais, irmãos etc.) nem nossos amigos. Estes aparecem e desaparecem por circunstâncias que não dominamos.
Com os nossos heróis é diferente. Escolhemos Ayrton Senna, cultuamos Tiradentes, admiramos Leonardo, Michelangelo, Vieira, Machado, Beethoven -sem nada exigir em troca.
Penso nisso após ter visto na TV a intervenção de Aloizio Mercadante na CPI do sistema financeiro. O governo articulou uma estratégia para derrubar seu depoimento. A mídia a favor das bandalheiras nacionais engrossou a onda, anunciando que ele traria uma bomba.
Exigiram que o deputado desse nomes concretos, com endereço, filiação, data de nascimento, CPF, tipo sanguíneo, título de eleitor. Ele não prometera nada disso. Falou institucionalmente sobre o grande ralo que suga bilhões de todos nós, bilhões que poderiam repor aposentadorias, aparelhar hospitais, abrir escolas.
A verdade é que ao governo nada disso interessa. Desde que os operadores do viciado sistema financeiro estejam satisfeitos e dispostos a garantir o poder de FHC, tudo bem. Se aparecer um motorista ou um genro, providências serão tomadas para isolar o episódio. Nesse caso estão os dois bancos já sabidos e talvez Chico Lopes.
Nem o escândalo nem o assalto ao povo brasileiro incomodam o governo. O argumento brandido é primário: exigem provas com firma reconhecida. A prova provada que Mercadante apresentou, do vício no atacado, vício que nem sempre aparece no varejo, foi considerada ociosa, insuficiente.
A atuação dele foi um dos espetáculos mais bonitos de nossa vida pública. Ele próprio revelou que seu futuro político ficou ameaçado pela obstinação com que está furando esse tumor que nos adoece e envergonha. Fui me olhar no espelho e por um momento me senti redimido como homem.


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