São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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A POLÍTICA E A CRISE

Os agentes do mercado financeiro atribuíram parte da deterioração do cenário econômico das últimas semanas às incertezas eleitorais. Esse setor nervoso da sociedade vinha interpretando as pesquisas eleitorais como um aumento da chance de vitória da oposição e considerando insatisfatória a performance do candidato do governo, José Serra. Por esse raciocínio, temerosos de que uma gestão Luiz Inácio Lula da Silva não se comprometa com a continuidade da política econômica, esses agentes pressionaram o dólar e forçaram o governo a vender títulos de dívida mais curtos.
Se o princípio for verdadeiro, a semana que entra deve ser, para o mercado financeiro, mais calma que as que passaram. Afinal, a pesquisa do Datafolha publicada hoje mostra uma queda nas intenções de voto de Lula (de 43% para 40%) e uma subida de Serra (de 17% para 21%), que, assim, se isolou em segundo lugar.
Uma versão crua de como pensa parte globalizada desse mercado foi expressa pelo megainvestidor George Soros e registrada pelo colunista desta Folha Clóvis Rossi. Para Soros, os Estados Unidos, tal como a Roma imperial em sua época, seriam o único poder que de fato possui capacidade de escolha no capitalismo global. E os americanos, ainda de acordo com Soros, escolheram Serra para ser o sucessor de Fernando Henrique Cardoso. O megaespeculador húngaro naturalizado americano completa seu raciocínio vaticinando que, caso os brasileiros contrariem essa suposta vontade dos EUA, o resultado seria o "default" (calote na dívida pública brasileira).
Por mais que os petistas reajam a esse tipo de declaração se dizendo vítimas de "terrorismo eleitoral", a indisposição epidérmica dos investidores a um eventual governo Lula não diminuirá. O compromisso dos agentes de mercado é garantir o máximo retorno aos investimentos -tudo o mais, inclusive a democracia, é secundário. Basta lembrar que a China vive sob uma ditadura comunista e que isso não a impede de ser um dos mais pujantes mercados para os investidores globais.
A face perversa e real do diagnóstico de Soros está no que ele não diz. Um país "emergente" está lançado à categoria dos que têm pouca margem de manobra no mundo global se a sua dependência de capital externo é grande. Esse é, infelizmente, o caso do Brasil. E o agravamento dessa dependência é uma ameaça potencial às instituições, como revelou recentemente o caso argentino.
Aos candidatos à sucessão de FHC, esbravejar contra a "ditadura do mercado" de pouco adiantará. Os investidores internacionais serão essenciais a qualquer plano de transição rumo a uma inserção mais saudável do Brasil na economia global. O que cabe aos políticos -do governo ou da oposição- é formular suas propostas para diminuir paulatinamente a vulnerabilidade externa da economia brasileira. Não seria exagero dizer que o fortalecimento das bases sobre as quais se assenta a democracia no Brasil depende em boa medida desse já inadiável ajuste externo.


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