São Paulo, domingo, 09 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A realidade da USP

ADOLPHO JOSÉ MELFI

O texto publicado pelo jornalista Gilberto Dimenstein na Folha do último dia 26, intitulado "O mito USP está chegando ao fim?", tangencia pontos importantes inerentes ao papel e à importância da universidade pública e gratuita, mas se utiliza de um único viés: o da crise na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas.
Este problema na nossa FFLCH, que já está sendo tratado com a atenção e o cuidado merecidos pela administração da universidade, é pontual e talvez não devesse ter sido escolhido como linha condutora do artigo. Até porque, ao fazer a relação entre este problema circunstancial e as "sofríveis condições de ensino da USP", corre-se o risco de se cometer um equívoco.
A constância e a assiduidade da Universidade de São Paulo nas páginas de muitas publicações brasileiras e estrangeiras devem-se à excelência de sua pesquisa e de seu corpo docente, e não a outros motivos, por mais sérios que sejam.
Há quase sete décadas a USP baseia-se no tripé ensino, pesquisa e extensão, e se orgulha dessa base sólida, na qual foi erguida e se mantém, construída graças aos esforços de seus professores, pesquisadores, funcionários e alunos. Esse trabalho constante e incansável é o que atrai alunos e profissionais de todo o país e mesmo do exterior para a universidade -e se reflete em números inquestionáveis, ainda mais quando vêm de uma instituição de prestígio como a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp. Está em seu último relatório, "Indicadores de Ciência e Tecnologia e Inovação em São Paulo 2001", que a USP concentra 25% da produção científica nacional.
Dentre essas pesquisas, muitas mereceram destaque em revistas internacionais nos últimos meses, como a participação dos pesquisadores da USP no projeto Genoma e a vacina contra a tuberculose, desenvolvida pela equipe do professor Célio Lopes Silva, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, que revolucionou a investigação nessa área em todo o mundo.
Ou ainda a pesquisa do professor Hernando del Portillo, do Instituto de Ciências Biomédicas, sobre o sequenciamento completo de uma extremidade do cromossomo do Plasmodium vivax, protozoário causador de mais de 80% dos casos de malária no Brasil. E o trabalho desenvolvido no Centro de Estudos do Genoma Humano, do Instituto de Biociências, que resultou na escolha, pela Unesco, de sua coordenadora, professora Mayana Zatz, como representante da América Latina entre as cinco mulheres que mais se destacaram na ciência mundial.


O mito USP não está abalado, até porque a universidade não é um mito, e sim uma realidade


Ainda o benefício à indústria naval e de exploração de petróleo em águas profundas, com a inauguração, na Escola Politécnica, do primeiro tanque de provas numérico, um laboratório virtual para simulação numérica de estruturas flutuantes de produção de petróleo e gás, que vai permitir condições mais precisas para elaboração de projetos, instalação e manutenção de estruturas flutuantes, com uma tecnologia inédita no mundo e totalmente desenvolvida no Brasil, coordenado pelo professor Kazuo Nishimoto, do Departamento de Engenharia Naval.
Isso sem contar os seguidos prêmios que a Escola de Engenharia de São Carlos vem recebendo em concursos nacionais e internacionais por seus projetos.
O acervo das bibliotecas da USP está entre os maiores acervos universitários da América Latina. Atendeu, só em 2001, cerca de 2,5 milhões de usuários, sendo aproximadamente 200 mil externos, entre professores e alunos de outras universidades, sobretudo particulares. A USP tem dedicado à conservação e manutenção desse acervo bibliográfico valores consideráveis. Só no ano passado, destinou mais de R$ 25 milhões.
O acervo também tem sido beneficiado por recursos de outras fontes de fomento. Entre 1995 e 2001, a Fapesp destinou aos projetos de infra-estrutura, manutenção e conservação do acervo valores próximos de R$ 21,5 milhões e mais US$ 1,7 milhão. De outras fontes, o Sistema Integrado de Bibliotecas da USP recebeu, no mesmo período, R$ 500 mil e mais US$ 3,7 milhões.
Além do destaque na pesquisa, a USP é responsável, anualmente, pela formação de mais de 2.500 mestres e 1.500 doutores -praticamente a metade de todos doutores formados no Brasil. Isso em todas as áreas do conhecimento. Porque a USP, sim, atrai alunos para suas salas de aula em todas as áreas. Por mais que os números possam ser frios, eles são relevantes: o último Anuário Estatístico da Universidade mostra que, no vestibular de 2000, a área de humanas recebeu 55 mil inscritos, enquanto as biológicas receberam cerca de 45 mil e as exatas pouco mais de 21 mil.
Ainda com relação ao vestibular de 2000, foram aceitos na universidade cerca de 5.500 vestibulandos que cursaram totalmente a escola particular ou passaram por ela, enquanto apenas 2.000 estudantes da escola pública foram aprovados nos exames da Fuvest. Mas esse é um problema de base, do primeiro e do segundo graus.
E justamente por saber disso que a Universidade de São Paulo firmou recentemente um convênio com a Secretaria Estadual de Educação, para proporcionar uma formação mais abrangente e sólida aos professores da rede pública. Este também é o papel de uma universidade pública e gratuita.
O mito USP não está abalado, até porque a universidade não é um mito, e sim uma realidade.


Adolpho José Melfi, 65, geólogo, é reitor da Universidade de São Paulo.



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