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São Paulo, segunda-feira, 09 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Política monetária e inércia

JOSÉ MÁRCIO CAMARGO


Introduzir variáveis políticas nas decisões de política monetária é o primeiro e decisivo passo para a volta da inflação

Discussões sobre se a política monetária está certa ou errada são uma constante em qualquer democracia. Neste momento, essa é uma discussão presente não apenas no Brasil, mas também na Europa, onde diferentes analistas e políticos têm sugerido que o Banco Central Europeu tem mantido taxas de juros excessivamente elevadas. Por outro lado, no final dos anos 90, muitos analistas consideravam a política monetária adotada pelo Fed, nos EUA, excessivamente leniente.
O que diferencia a discussão no Brasil da que ocorre em outros países é seu conteúdo. Em nenhum país do mundo existe um debate sobre a necessidade de a política monetária ter um caráter eminentemente técnico, imune a manipulações políticas. Na verdade, quanto a esse ponto, existe um consenso em todos os países com economias estáveis. Introduzir variáveis políticas nas decisões de política monetária é o primeiro e decisivo passo para a volta da inflação. Para um país que há menos de dois meses estava discutindo a viabilidade de tornar o Banco Central operacionalmente autônomo, essa discussão parece ter ressurgido de um passado tão remoto que é difícil acreditar que esteja ocorrendo.
Do ponto de vista puramente técnico, os argumentos a favor da queda imediata da taxa de juros não parecem muito convincentes, a menos que os dados futuros sobre a taxa de inflação ao nível do consumidor apontem para uma queda substancial nesse índice. O problema é que a taxa de inflação ao nível do consumidor (IPCA) continua relativamente elevada, próxima de 1% ao mês. Isso indica uma taxa anual da ordem de 15%. Bastante alta. Essa resistência à queda sugere uma inércia inflacionária não observada na economia brasileira pelo menos desde meados de 1998. Em outras palavras, uma parte relevante dos preços e salários parece que está sendo reajustada com base na inflação passada, apesar da queda nas taxas de inflação verificadas nos últimos meses.
Uma das lições que aprendemos do passado é que a leniência com a inércia inflacionária é o caminho mais curto para a perda de controle sobre a inflação. A história brasileira nas décadas de 70, 80 e 90 mostra que, se os mecanismos de inércia inflacionária não forem quebrados assim que começam a se manifestar, eles acabam por tornar a política monetária muito pouco efetiva no combate à inflação. O resultado são taxas de inflação cada vez maiores. E a única forma de quebrar a inércia inflacionária é com reduções no nível de demanda e, portanto, política monetária rígida. Somente assim as empresas passam a reajustar seus preços abaixo da inflação passada, para evitar uma queda ainda maior na demanda por seus produtos e, portanto, de seus lucros.
A questão a ser respondida é: por que os preços ao consumidor continuam aumentando a uma taxa tão elevada, apesar da queda do nível de atividade, da redução da renda, da queda dos salários reais e do aumento do desemprego? Por que a inércia inflacionária tem se mostrado tão mais resistente neste episódio inflacionário de 2003, se comparado, por exemplo, ao episódio da crise cambial de 1999? A resposta está, muito provavelmente, ligada a expectativas.
A expectativa dos agentes econômicos (empresários e trabalhadores) no final do ano passado era que o atual governo adotasse uma política econômica menos voltada ao combate à inflação do que o governo anterior, com o objetivo de dar mais espaço para o crescimento da economia. Se tal expectativa se confirmasse, deveríamos esperar reduções relativamente rápidas das taxas de juros, assim que o novo governo assumisse. Nessas condições, os reajustes de preços e salários seriam validados, no curto prazo, pela melhoria do nível de atividade e aumento de demanda. Nesse contexto, determinar preços e salários com base na inflação passada é só uma questão de racionalidade econômica.
O problema é que tal expectativa não se confirmou, pelo menos por enquanto. Porém a pergunta continua no ar: por quanto tempo o atual governo continuará perseguindo a estabilidade de preços? Se a dúvida persiste, muitos agentes continuarão remarcando preços e dando reajustes de salários com base na inflação passada, mantendo o grau de inércia elevado. Nesse contexto, toda a discussão quanto ao caráter técnico ou político que deve ter a política monetária apenas retarda os resultados desta sobre a taxa de inflação.
Porém, se o Banco Central não mostrar que seu objetivo é uma taxa de inflação efetivamente baixa, o risco de que a inércia inflacionária seja reforçada é muito elevado. Em outras palavras, em um cenário como este, no qual as expectativas estão determinando o comportamento dos preços, somente a persistência de uma política monetária dura será capaz de quebrar as expectativas e derrotar a inércia. E isso significa esperar que a inflação caia a níveis mais confortáveis (abaixo de 0,5% ao mês, por exemplo) antes de reduzir os juros.


José Márcio Camargo, 55, doutor em economia pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (EUA), é professor do Departamento de Economia da PUC-RJ e sócio da Tendências Consultoria Integrada.


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