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CLÓVIS ROSSI
Pacote de preconceitos
PARIS - O pacotinho do McDonald's estava em cima do banco do metrô,
fácil de ver, ainda mais que o vagão
estava quase vazio. O cérebro dizia
que uma bomba não cabe em um saquinho, mas o instinto primal me fez
dar uma olhadinha disfarçada, mas
cuidadosa, para me certificar de que
o pacote estava vazio.
Afinal, há uma porção de avisos no
metrô de Paris (de Londres também),
pedindo aos cidadãos que sejam solidários na vigilância.
Minha mulher não falou nada na
hora, mas, depois que a TV anunciou
a prisão, ontem, na Itália, de um dos
supostos responsáveis pelos atentados de 11 de março em Madri, comentou que tivera o mesmo receio.
A ligação entre um fato e outro
mostra que mesmo cidadãos que não
têm (juro) o menor preconceito racial, como eu e minha mulher, ficamos tocados de alguma forma pelo
intenso bombardeio midiático que
transforma terrorismo e árabes em
irmãos siameses.
Ainda mais que as prisões de ontem
ocorreram também em Bruxelas, cidade na qual acampamos por dois
meses, em um bairro com grande
quantidade de árabes que faziam das
roupas uma espécie de manifesto de
identidade (nada contra, mas que
chama a atenção, chama).
Não creio no tal "choque de civilizações", mas temo que terrorismo e
preconceito vão acabar por transformá-lo em realidade.
Há dois meses, a TV belga mostrou
documentário sobre os argelinos que
migraram para a Bélgica. Um executivo não-identificado louvava a disponibilidade deles para o trabalho e,
com um sorriso que me pareceu francamente repulsivo, atribuía tal disponibilidade à submissão da mulher
muçulmana: como ela, segundo o
executivo, não reclama dos horários
do marido, este pode fazer hora extra
mais que o ocidental.
Ou seja, um dos problemas que o
próprio Ocidente aponta no islamismo (a situação da mulher) acaba revertendo em vantagem para as empresas ocidentais. Não justifica atos
terroristas, como é óbvio, mas explica
o estranhamento mútuo.
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