São Paulo, quarta-feira, 09 de junho de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Pacote de preconceitos

PARIS - O pacotinho do McDonald's estava em cima do banco do metrô, fácil de ver, ainda mais que o vagão estava quase vazio. O cérebro dizia que uma bomba não cabe em um saquinho, mas o instinto primal me fez dar uma olhadinha disfarçada, mas cuidadosa, para me certificar de que o pacote estava vazio.
Afinal, há uma porção de avisos no metrô de Paris (de Londres também), pedindo aos cidadãos que sejam solidários na vigilância.
Minha mulher não falou nada na hora, mas, depois que a TV anunciou a prisão, ontem, na Itália, de um dos supostos responsáveis pelos atentados de 11 de março em Madri, comentou que tivera o mesmo receio.
A ligação entre um fato e outro mostra que mesmo cidadãos que não têm (juro) o menor preconceito racial, como eu e minha mulher, ficamos tocados de alguma forma pelo intenso bombardeio midiático que transforma terrorismo e árabes em irmãos siameses.
Ainda mais que as prisões de ontem ocorreram também em Bruxelas, cidade na qual acampamos por dois meses, em um bairro com grande quantidade de árabes que faziam das roupas uma espécie de manifesto de identidade (nada contra, mas que chama a atenção, chama).
Não creio no tal "choque de civilizações", mas temo que terrorismo e preconceito vão acabar por transformá-lo em realidade.
Há dois meses, a TV belga mostrou documentário sobre os argelinos que migraram para a Bélgica. Um executivo não-identificado louvava a disponibilidade deles para o trabalho e, com um sorriso que me pareceu francamente repulsivo, atribuía tal disponibilidade à submissão da mulher muçulmana: como ela, segundo o executivo, não reclama dos horários do marido, este pode fazer hora extra mais que o ocidental.
Ou seja, um dos problemas que o próprio Ocidente aponta no islamismo (a situação da mulher) acaba revertendo em vantagem para as empresas ocidentais. Não justifica atos terroristas, como é óbvio, mas explica o estranhamento mútuo.


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