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O xadrez do clima
G8 avança pouco na questão do aquecimento global, mas resistência dos Estados Unidos parece ter sido quebrada
À PRIMEIRA vista, perspectiva preferida dos
que não têm olhos para
os lentos movimentos
da história, Angela Merkel sai
derrotada da cúpula do G8. Os
sete países mais ricos do mundo
e a Rússia deixam o balneário
báltico de Heiligendamm sem
compromisso com a meta de reduzir pela metade emissões de
gases do efeito estufa até 2050,
como pretendia a premiê alemã.
Desse ângulo enviesado, George W. Bush retorna aos Estados
Unidos como vencedor. Conseguiu barrar o alvo de redução que
cientistas indicam ser necessário
para impedir que o aquecimento
global já em curso ultrapasse os
2C, nível considerado perigoso.
Enchentes e secas mais graves e
mais freqüentes, quebra de safras agrícolas e hordas de refugiados seriam as conseqüências
agora mais prováveis dessa licença para prosseguir produzindo
os gases que, como o CO2, aprisionam radiação na atmosfera e
a aquecem perigosamente.
Essa é uma leitura no mínimo
parcial, se não equivocada. Contar com a assinatura de Bush numa declaração que acata a autoridade científica das previsões
do Painel Intergovernamental
sobre Mudança Climática
(IPCC) e se compromete a enfrentar pronta e decididamente
o problema do clima sob a égide
da ONU era algo impensável
poucas semanas atrás.
Pode-se tomar como tíbio o
compromisso de "considerar seriamente as decisões tomadas
por União Européia, Canadá e
Japão, que incluem cortar no
mínimo pela metade as emissões
globais até 2050". Decerto seria
melhor para o clima mundial se,
em lugar desse objetivo vago, o
G8 adotasse metas obrigatórias.
Por outro lado, existia o temor
de que os EUA estivessem decididos a esvaziar a negociação
multilateral da questão climática. No último dia de maio, Bush
havia proposto um processo paralelo, com participação dos 15
maiores emissores. Parecia fadado ao fracasso, ou jogo de cena,
por indicar que países em desenvolvimento, como China, Índia e
Brasil, deveriam adotar obrigações similares aos dos grandes
poluidores. Desse ponto de vista,
o acordo de Heiligendamm surge como avanço ponderável.
O deslocamento na posição até
então refratária dos EUA pode
ter sido mínimo, mas aconteceu.
Tão ou mais decepcionante
mostrou-se a declaração conjunta do G8 e seus cinco convidados
(Brasil, China, Índia, México e
África do Sul). O máximo que se
lê ali é um não menos vago compromisso de "contribuir com
nossa parcela justa para enfrentar a mudança climática".
Tal objetivo não pode mais ser
alcançado sem redução de emissões também nesses cinco países. A China, por exemplo, deve
ultrapassar os EUA como maior
poluidor antes de 2010, talvez
ainda neste ano. Sem dúvida sua
produção de CO2 per capita é
muito inferior à de países ricos.
No entanto, há cada vez menos
razão para traduzir como recusa
de obrigações o princípio inscrito na Convenção sobre Mudança
do Clima de que todas as nações
do mundo têm sobre ela uma
responsabilidade comum porém
diferenciada.
Para deixarem de ser coadjuvantes do G8, esses países precisarão também dar pequenos
passos. Um por vez -mas logo.
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