São Paulo, sábado, 09 de junho de 2007

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O xadrez do clima

G8 avança pouco na questão do aquecimento global, mas resistência dos Estados Unidos parece ter sido quebrada

À PRIMEIRA vista, perspectiva preferida dos que não têm olhos para os lentos movimentos da história, Angela Merkel sai derrotada da cúpula do G8. Os sete países mais ricos do mundo e a Rússia deixam o balneário báltico de Heiligendamm sem compromisso com a meta de reduzir pela metade emissões de gases do efeito estufa até 2050, como pretendia a premiê alemã.
Desse ângulo enviesado, George W. Bush retorna aos Estados Unidos como vencedor. Conseguiu barrar o alvo de redução que cientistas indicam ser necessário para impedir que o aquecimento global já em curso ultrapasse os 2C, nível considerado perigoso. Enchentes e secas mais graves e mais freqüentes, quebra de safras agrícolas e hordas de refugiados seriam as conseqüências agora mais prováveis dessa licença para prosseguir produzindo os gases que, como o CO2, aprisionam radiação na atmosfera e a aquecem perigosamente.
Essa é uma leitura no mínimo parcial, se não equivocada. Contar com a assinatura de Bush numa declaração que acata a autoridade científica das previsões do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) e se compromete a enfrentar pronta e decididamente o problema do clima sob a égide da ONU era algo impensável poucas semanas atrás.
Pode-se tomar como tíbio o compromisso de "considerar seriamente as decisões tomadas por União Européia, Canadá e Japão, que incluem cortar no mínimo pela metade as emissões globais até 2050". Decerto seria melhor para o clima mundial se, em lugar desse objetivo vago, o G8 adotasse metas obrigatórias.
Por outro lado, existia o temor de que os EUA estivessem decididos a esvaziar a negociação multilateral da questão climática. No último dia de maio, Bush havia proposto um processo paralelo, com participação dos 15 maiores emissores. Parecia fadado ao fracasso, ou jogo de cena, por indicar que países em desenvolvimento, como China, Índia e Brasil, deveriam adotar obrigações similares aos dos grandes poluidores. Desse ponto de vista, o acordo de Heiligendamm surge como avanço ponderável.
O deslocamento na posição até então refratária dos EUA pode ter sido mínimo, mas aconteceu. Tão ou mais decepcionante mostrou-se a declaração conjunta do G8 e seus cinco convidados (Brasil, China, Índia, México e África do Sul). O máximo que se lê ali é um não menos vago compromisso de "contribuir com nossa parcela justa para enfrentar a mudança climática".
Tal objetivo não pode mais ser alcançado sem redução de emissões também nesses cinco países. A China, por exemplo, deve ultrapassar os EUA como maior poluidor antes de 2010, talvez ainda neste ano. Sem dúvida sua produção de CO2 per capita é muito inferior à de países ricos.
No entanto, há cada vez menos razão para traduzir como recusa de obrigações o princípio inscrito na Convenção sobre Mudança do Clima de que todas as nações do mundo têm sobre ela uma responsabilidade comum porém diferenciada.
Para deixarem de ser coadjuvantes do G8, esses países precisarão também dar pequenos passos. Um por vez -mas logo.


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