São Paulo, segunda-feira, 09 de julho de 2007

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Evitar o apagão

Restrição de suprimento energético na Argentina serve como alerta para o que pode ocorrer com o Brasil no futuro próximo

NA ÉPOCA da inflação alta, freqüentou o anedotário brasileiro um chiste, adaptado de uma propaganda de bebida, dizendo que o que acontece hoje na Argentina ocorrerá em breve no Brasil. O objeto do gracejo eram os experimentos com planos para combater a escalada dos preços (e seus fracassos), os quais, como as frentes frias, costumavam começar abaixo do paralelo 30, para depois subir.
As crescentes dificuldades do país vizinho para encontrar fontes de energia capazes de sustentar a expansão econômica fazem reviver o temor contido na antiga piada. Curiosamente, uma onda de cortes de energia na Argentina em 1996 -de onde provavelmente o Brasil importou o termo "apagão"- precedeu o racionamento brasileiro de 2001.
Humorismo à parte, há mais que mera coincidência na comparação entre o problema por que hoje passa a Argentina -onde o setor empresarial já vive um racionamento, e o inverno tem feito aumentar os riscos para o abastecimento residencial- e o que se aproxima do Brasil se medidas não forem tomadas já. Os dois países, por exemplo, dependem da mesma fonte de energia, o gás boliviano, para abastecer parte de seu mercado doméstico.
Em decisão correta, o governo Lula abriu mão temporariamente, em favor da Argentina, do que os consumidores brasileiros não utilizam da importação de gás natural contratada com a Bolívia. Dos 30 milhões de metros cúbicos diários que o Brasil tem direito de retirar do gasoduto, os argentinos ficarão com 1 milhão.
Também como medida emergencial de auxílio, o volume de exportações brasileiras de eletricidade para a Argentina subirá 70%. O abastecimento extra provirá de térmicas brasileiras com alto custo de produção, hoje inativas porque a oferta de hidreletricidade no Brasil (energia mais barata) ainda cobre com alguma folga o consumo doméstico.
Se por hipótese o Brasil -devido por exemplo a um regime de chuvas desfavorável, como ocorre periodicamente- passasse por um momento de restrição interna na oferta de hidreletricidade, o abastecimento de energia no Cone Sul estaria ameaçado. Ficaria inviabilizada não só a ajuda à Argentina. As térmicas do programa emergencial brasileiro teriam de ser acionadas, mas dificilmente haveria gás para colocá-las todas em operação.
Cogitar situações assim -cada vez mais plausíveis devido à expansão econômica brasileira e argentina- deveria levar as autoridades brasileiras a abrir ao máximo o leque de opções para assegurar o abastecimento. É insuficiente fiar-se num programa de grandes obras com grandes chances de não saírem do papel no prazo necessário.
O Brasil necessita encetar, ao mesmo tempo, um conjunto de ações amplas nos campos da conservação de energia, da repotenciação de usinas já existentes e da chamada co-geração. Perder tempo agora é arriscar o futuro do emprego e da renda de milhões de cidadãos.


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