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Evitar o apagão
Restrição de suprimento energético na Argentina serve como alerta para o que pode ocorrer com o Brasil no futuro próximo
NA ÉPOCA da inflação alta, freqüentou o anedotário brasileiro um
chiste, adaptado de
uma propaganda de bebida, dizendo que o que acontece hoje
na Argentina ocorrerá em breve
no Brasil. O objeto do gracejo
eram os experimentos com planos para combater a escalada dos
preços (e seus fracassos), os
quais, como as frentes frias, costumavam começar abaixo do paralelo 30, para depois subir.
As crescentes dificuldades do
país vizinho para encontrar fontes de energia capazes de sustentar a expansão econômica fazem
reviver o temor contido na antiga piada. Curiosamente, uma onda de cortes de energia na Argentina em 1996 -de onde provavelmente o Brasil importou o termo
"apagão"- precedeu o racionamento brasileiro de 2001.
Humorismo à parte, há mais
que mera coincidência na comparação entre o problema por
que hoje passa a Argentina -onde o setor empresarial já vive um
racionamento, e o inverno tem
feito aumentar os riscos para o
abastecimento residencial- e o
que se aproxima do Brasil se medidas não forem tomadas já. Os
dois países, por exemplo, dependem da mesma fonte de energia,
o gás boliviano, para abastecer
parte de seu mercado doméstico.
Em decisão correta, o governo
Lula abriu mão temporariamente, em favor da Argentina, do que
os consumidores brasileiros não
utilizam da importação de gás
natural contratada com a Bolívia. Dos 30 milhões de metros
cúbicos diários que o Brasil tem
direito de retirar do gasoduto, os
argentinos ficarão com 1 milhão.
Também como medida emergencial de auxílio, o volume de
exportações brasileiras de eletricidade para a Argentina subirá
70%. O abastecimento extra provirá de térmicas brasileiras com
alto custo de produção, hoje inativas porque a oferta de hidreletricidade no Brasil (energia mais
barata) ainda cobre com alguma
folga o consumo doméstico.
Se por hipótese o Brasil -devido por exemplo a um regime de
chuvas desfavorável, como ocorre periodicamente- passasse
por um momento de restrição
interna na oferta de hidreletricidade, o abastecimento de energia no Cone Sul estaria ameaçado. Ficaria inviabilizada não só a
ajuda à Argentina. As térmicas
do programa emergencial brasileiro teriam de ser acionadas,
mas dificilmente haveria gás para colocá-las todas em operação.
Cogitar situações assim -cada
vez mais plausíveis devido à expansão econômica brasileira e
argentina- deveria levar as autoridades brasileiras a abrir ao
máximo o leque de opções para
assegurar o abastecimento. É insuficiente fiar-se num programa
de grandes obras com grandes
chances de não saírem do papel
no prazo necessário.
O Brasil necessita encetar, ao
mesmo tempo, um conjunto de
ações amplas nos campos da
conservação de energia, da repotenciação de usinas já existentes
e da chamada co-geração. Perder
tempo agora é arriscar o futuro
do emprego e da renda de milhões de cidadãos.
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