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RUY CASTRO
Biografáveis
PARATY - Nos últimos anos, fui
sondado por pessoas que admiro e
que gostariam que eu lhes escrevesse a biografia: um ator, três atrizes,
vários músicos, um estilista, um
banqueiro, um empresário e uma
família inteira. Fui sondado também por pessoas que não admiro,
como um famoso político. Agradeci
muito e recusei.
Primeiro, porque se tratavam de
encomendas, e deve ser difícil trabalhar numa biografia com o biografado espiando por cima do ombro do biógrafo. E, mesmo que não
fossem, todas essas celebridades,
que merecem boas biografias, têm o
defeito de estar vivas.
Uma pessoa que seja tão importante para merecer em vida uma
biografia será também poderosa o
bastante para atrapalhar o trabalho
do biógrafo. Ao ser inevitavelmente
usada como fonte (caso "autorize"
ou apenas aceite a biografia), ela se
dedicará a mentir sobre si mesma
para o biógrafo. E, pior, poderá induzir amigos a também mentir ou,
no mínimo, omitir fatos. Não dá pé.
Para mim, o único biografado
possível precisa estar morto. E não
pode ser um morto recente, porque
a morte transforma, de saída, qualquer um em santo. Leva tempo para
que os defeitos voltem a assentar
sobre o cadáver e, para isso, ele precisa estar mais que geladinho. Eu
diria que 10 anos de morte são o mínimo para que alguém se torne um
biografável confiável.
O fato de o biografado estar morto não livra o biógrafo de problemas. Há toda uma plêiade de filhos,
netos, irmãos, sobrinhos e até
genros do biografado, prontos a se
ofender com qualquer coisa e a jogar advogados contra o biógrafo.
Donde costumo dizer que, para
sossego do biógrafo, o biografado
ideal seria aquele que, em vida, foi
órfão, filho único, solteirão, estéril
e, com todo respeito, brocha. Pena
que esse biografado não exista.
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