|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Costumes caducos
RIO DE JANEIRO - Uma das vantagens de passar uns tempos fora do
país é descobrir como certos costumes, que há muito julgávamos caducos ou extintos, sobrevivem em
outras plagas. A Europa, por exemplo.
Há cidades em que os aviões ainda chegam e saem na hora e em que
as empresas vendem as passagens
de acordo com o número de poltronas. Em que o trânsito roda com razoável fluência, apesar da ausência
de garagens em prédios do século 17
ou 18. Onde as pessoas não andam
pelas ruas penduradas ao celular e
em que, aliás, vê-se pouca gente falando ao celular em público.
Onde as farmácias são raras e discretas, anunciando-se apenas por
aquela acolhedora cruz verde em
néon, e não por luminosos estilo
Las Vegas. Onde um "M" amarelo
numa esquina significa um buraco
do metrô nas proximidades, e não
uma ratoeira do McDonald's. Onde
o açúcar impera até hoje nas mesas
dos restaurantes -adoçante, só a
pedidos- e o sal continua a ser servido em saleiros, daqueles com furos, e não nesses pacotinhos que
derramam sal demais ou de menos.
Onde as pessoas ainda fumam em
massa e sem culpa, embora a lei que
as obriga a ir fumar na rua ameace
provocar um entupimento terminal nos esgotos, com as torrentes de
guimbas que os bueiros passaram a
engolir. Onde quase não se vêem
mulheres bombadas e, quando um
par de 500 ml de silicone se aproxima, não paga dez -são de alguma
brasileira. Em que a moda do baby-doll em forma de bombacha por enquanto não chegou. E em que as
crianças ainda se vestem como
crianças, e pulam corda, brincam de
roda ou jogam amarelinha nas praças, em vez de andarem grudadas a
um jogo eletrônico.
Enfim, são cenas que eu próprio
já associava a um passado perdido, a
uma remota nostalgia - algo assim
como os bons velhos tempos de
1998, 1999, por aí.
Texto Anterior: Brasília - Melchiades Filho: Haverá sangue Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Reeleição e corrupção Índice
|