São Paulo, quarta-feira, 09 de julho de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Compulsória aos 70 anos

MOZART VALADARES PIRES


O aumento do limite para a aposentadoria compulsória atenderia só a interesses de pequena parcela da cúpula da administração judiciária

ENCONTRA-SE em tramitação na Câmara dos Deputados proposta de emenda constitucional que visa a dilatar a idade limite para a aposentadoria compulsória do servidor público para 75 anos. Pelo atual texto constitucional, todo servidor é obrigado a se aposentar aos 70 anos.
Proposta de mesmo teor dirigida especificamente à magistratura já foi rejeitada no ano 2000 pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal no primeiro semestre de 2001.
Entende a maioria esmagadora dos magistrados brasileiros -juízes, desembargadores e ministros- que tais decisões refletem o interesse público.
A sociedade brasileira enfrenta período de acentuada transição, necessitando o Judiciário de maior dinamismo no processo de criação do direito.
A renovação dos quadros em todos os níveis do Judiciário é condição fundamental à incessante atualização da jurisprudência e sua adequação às demandas sociais contemporâneas, bem como à viabilização de novas práticas político-administrativas.
Caso a proposta seja acolhida, promoverá a estagnação da jurisprudência e impedirá a salutar e democrática renovação de práticas e concepções em espaços institucionais da maior relevância para a cidadania. Ademais, conduzirá ao esvaziamento de carreiras do serviço público, a começar pelo comprometimento do ideal básico da progressão funcional, com claro prejuízo para a maior seleção de servidores e agentes políticos do Judiciário.
A maioria dos defensores da tese restringe a discussão da proposta a apenas dois pontos: o aumento da expectativa de vida do brasileiro e a situação caótica por que passa atualmente a Previdência Social.
Os dois argumentos não procedem.
A análise da emenda constitucional não pode desprezar o período médio de permanência de desembargadores e ministros nos tribunais superiores, que, segundo estudo feito pela Associação dos Magistrados Brasileiros, varia de 15 a 18 anos. Caso ocorra a elevação da idade, a média teria variação de 20 a 23 anos de permanência. Na grande maioria dos modelos externos, o tratamento concedido à idade limite para que os juízes permaneçam em atividade, em se tratando de cortes constitucionais, é até mesmo mais restritivo do que o que se verifica no Brasil, sendo flagrante o expressivo número de países que adotam o sistema de mandato e/ou limite de idade máxima de 60 ou 70 anos.
Exemplo concreto destacado é a Alemanha, cuja corte constitucional estabelece um mandato de 12 anos para os magistrados, atribuindo-lhes ainda o limite máximo de 68 anos de idade para permanência.
Importante ressaltar que, enquanto a expectativa média de vida do brasileiro é de 72 anos (em 2007, segundo o IBGE), na Alemanha a expectativa média de vida é consideravelmente mais elevada, de 80,8 anos para mulheres e de 74,7 anos para os homens.
Quanto à questão previdenciária, haverá um agravamento da situação financeira caso haja o aumento da idade mínima para a aposentadoria compulsória, pois inevitavelmente será desencadeado um número elevado de aposentadorias espontâneas antecipadas. Além disso, haverá uma evasão na base da carreira pela falta de perspectiva de ascensão.
Diante desses dados, cabem algumas indagações: É salutar que uma estrutura de poder da importância dos tribunais permaneça por um período tão longo sem uma renovação?
Como ficará a jurisprudência? E a falta de perspectiva na carreira dos juízes de primeiro grau? Como poderíamos conceituar o processo democrático e a legitimidade dos nossos representantes nos outros dois Poderes da República sem a obrigatoriedade de uma renovação periódica?
Os magistrados brasileiros confiam que os nossos representantes na Câmara, conscientes da relevância dos valores éticos envolvidos, rejeitarão a inovação pretendida, que apenas atenderia a interesses pessoais de pequena parcela da cúpula da administração judiciária, absolutamente divorciados do interesse público.


MOZART VALADARES PIRES , 49, é presidente da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros).

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