São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2001

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES
Da obesidade à fome

Você não acha que o sistema de comida a quilo foi uma boa invenção? Penso que o estado de nutrição da população melhorou depois que muitas pessoas passaram a ter acesso à variedade de alimentos que é servida na maioria dos restaurantes que usam esse sistema. É verdade que muitos comensais abusam das gorduras, mas a escolha é deles, pois, nos balcões, há saladas e frutas em profusão.
No outro lado dessa realidade, milhões de brasileiros passam fome, o que é intrigante em um país em que a produção anual de grãos é de 500 quilos por habitante, enquanto no resto do mundo é de apenas 300 quilos. Mais intrigante é verificar que o Brasil não está entre os países mais famintos, mas, ao contrário, tem 31% de obesos.
Para complicar o quadro, uma pesquisa publicada pela Folha em 30/8, feita pelas empresas que coletam e separam o lixo nas grandes cidades, mostra que os brasileiros desperdiçam muita comida. Isso vale para os lares, os restaurantes, os bufês de festas e as empresas.
São números impressionantes: 60% dos alimentos adquiridos para consumo são jogados fora. Quando se somam à lata de lixo, as perdas na produção, transporte e armazenagem, o desperdício representa 1,4% do PIB -cerca de R$ 21 bilhões por ano! Mais da metade do nosso lixo é composto por comida.
Num país onde o povo do Nordeste enfrenta uma dramática seca e onde tanta gente não tem o que pôr na mesa em outras regiões, tal comportamento é criminoso.
Bem diferente são os europeus, que, de modo geral, cozinham só o que comem e comem tudo o que cozinham. As sobras limpas, quando ocorrem, são transformadas e consumidas no dia seguinte. É a lei de Lavoisier: nada se cria e nada se perde, tudo se transforma.
Por que nós, brasileiros, que somos muito mais pobres do que os europeus, temos de esbanjar dessa forma? Nada justifica essa perda. Precisamos mudar de hábitos. Está na hora de encetarmos uma grande campanha contra o desperdício de alimentos, a começar por um programa de longa duração de educação das crianças e dos adolescentes -no lar e na escola- para que se consuma tudo o que é comprado.
Quanto às sobras limpas de restaurantes, bufês e cozinhas industriais, há que investir na logística de conservação e de transporte e na modificação da legislação atual, que responsabiliza o doador por tudo o que acontece na transferência de alimentos.
Nesse campo, há boas experiências. Os programas Banco de Alimentos (Sesc-RJ) e Mesa São Paulo (Sesc-SP) arrecadam toneladas de alimentos descartados (mas de boa qualidade) que são distribuídos a escolas, a creches, a hospitais e a outras instituições para alimentar crianças e adultos carentes. São projetos como esses que precisam ser ampliados e diversificados. Temos de eliminar as perdas dos perdulários para garantir a saúde dos necessitados.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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