São Paulo, terça-feira, 09 de setembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES A Previdência e os deficientes mentais
GILBERTO DI PIERRO
Nesse colossal bloco de deficientes enquadram-se os portadores de síndromes genéticas. São os que nascem com deficiência mental (e deficiência motora também) por carregarem no seu quadro cromossômico algum tipo de anomalia. Hoje, a ciência conhece e identifica 2.000 tipos de síndromes genéticas e batalha para identificar outros 2.000. A síndrome genética de maior incidência é a de Down, com cerca de 90% dos casos. Há muitos anos, um casal que tivesse um bebê Down, por absoluta falta de informações sobre o quanto de avanço os portadores dessa síndrome poderiam apresentar, receberia o mais doloroso dos golpes. Muita coisa mudou nos últimos 20 anos, a partir do banimento de expressões errôneas da mídia e mesmo das clínicas e maternidades, como "mongolóide" ou "mongolismo". Nos EUA essas expressões são proibidas por lei em 90% dos Estados. Há 20 anos, a expressão "estimulação (ou intervenção) precoce" era introduzida no Brasil; hoje, não só avançou, como norteia milhares de profissionais de fonoterapia, fisioterapia e terapia ocupacional. Significa agir, o mais rápido possível, com um bebê Down. Nem a trissomia do 21 nem seus rostos um tanto similares impedirão portadores da síndrome de Down de avançar. Numa época em que a reforma da Previdência ocupa um grande espaço na mídia, ninguém se lembrou dos deficientes mentais portadores de uma anomalia genética, ou seja, aqueles que já nasceram comprometidos, sem direito à escolha. No caso de portadores da síndrome de Down, a incidência continua sendo de um bebê a cada 550 nascimentos, independentemente de saldo bancário, nível de instrução, cor, religião ou qualquer outra característica. Ou seja, num país onde o próprio presidente da República garante que exista uma legião de 44 milhões de miseráveis que têm sérios problemas de subnutrição (e mesmo fome), teto e cobertor, que ninguém imagine que não existam portadores de deficiência mental de origem genética e, claro, portadores da síndrome de Down. A reforma da Previdência não fez nada a favor dos deficientes mentais genéticos: para cada um deles ter direito a uma pensão mensal de R$ 240, é necessário, por lei, que cada um de seus familiares não receba, por mês, mais do que 25% do salário mínimo vigente, ou seja, R$ 60. Se um bebê Down nascer num lar onde pai e mãe ganhem cada um mais do que R$ 60, não há direito aos R$ 240 citados. Pai e mãe, juntos, devem receber por mês até R$ 120 para conseguirem o benefício de um salário mínimo extra da Previdência. Essa postura, para um governo que pagará, neste ano, R$ 150 bilhões só de juros de sua dívida mobiliária federal, preenche requisitos básicos de desumanidade e mesmo crueldade. Não admitir isso equivale a virar as costas aos que não têm condições de reagir ou reivindicar nada. Ignorar é imaginar-se a salvo de eventualidades dramáticas provocadas pela deficiência mental no seio das famílias brasileiras. Só que anomalias genéticas acontecem a quaisquer casais de quaisquer famílias. Na história do mundo, grandes governantes só se preocuparam para valer com assuntos como esse quando eles invadiram suas casas. O Progenese, maior centro de pesquisa genética na França, onde o médico Jerome Lejeune descobriu a etiologia da síndrome de Down -a trissomia do cromossomo 21-, existe desde os tempos do general De Gaulle, porque ele teve uma filha Down. E as universidades americanas ganharam mais verbas e incentivo para investigarem síndromes genéticas desde os tempos do governo de John F. Kennedy, que tinha uma sobrinha portadora de síndrome de Down. Gilberto Di Pierro, o Giba Um, 59, jornalista, é o fundador e atual presidente do Projeto Down - Centro de Informação e Pesquisa da Síndrome de Down. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Jorge Bornhausen: Quem puxa a corda da forca? Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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