São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Mitos e desafios na política externa
JOSÉ MAURICIO BUSTANI
A necessidade de as nações atuarem, de maneira harmônica, para a superação dos problemas mais graves requer a recuperação e o fortalecimento do multilateralismo como elemento ordenador das relações internacionais. Tal processo exige a renovação do compromisso de todos com as regras do direito internacional e com a integridade das instituições multilaterais, como as Nações Unidas e a OMC. A transição entre a afirmação do poder bruto e dos particularismos, que é a marca de um passado anárquico, e a via superior da negociação e do direito, que é o fundamento do futuro, só pode ocorrer no contexto de um espaço internacional mais democrático e sensível aos interesses dos países em desenvolvimento. A construção de tal espaço prosperará, por sua vez, com a negação da segunda parte do mito, que recomenda timidez no cenário internacional e aceitação das supostas realidades de poder. É possível uma atuação corajosa e ao mesmo tempo pragmática. A determinação de afirmar "a presença soberana e criativa do Brasil no mundo", anunciada pelo presidente Lula, tem levado à busca de novas parcerias, amparadas em interesses e percepções comuns. Essa estratégia revela-se, em primeiro lugar, na prioridade conferida à América do Sul, por meio de um ambicioso projeto de integração, com epicentro no Mercosul e voltado para a criação de uma comunidade sul-americana de nações. A partir do nosso continente, já estamos ampliando a rede de diálogo para a América Central e o Caribe, como se comprova com a participação na operação de paz da ONU no Haiti e na visita do presidente Lula à República Dominicana. Em segundo lugar, estamos formando alianças com grandes países em desenvolvimento, com a criação, em 2003, do Ibas (foro que une Índia, Brasil e África do Sul); a visita, em maio de 2004, do presidente Lula à China; e a intensidade inédita de nosso diálogo político com a Rússia. Em terceiro lugar, a política externa passou a refletir a natureza especial de nossos vínculos com a África, continente para o qual já houve três visitas presidenciais no atual governo. E temos aproveitado oportunidades de cooperação, de diálogo e de negócios com os países árabes, reforçando a presença brasileira em região considerada estratégica por todas as potências do mundo. Em quarto lugar, o estreitamento de relações com o mundo em desenvolvimento não se dá em detrimento dos países desenvolvidos. Como embaixador no Reino Unido, tenho constatado a relevância do diálogo político e a dimensão das oportunidades que esses países oferecem para nosso projeto de desenvolvimento, em matéria de acesso a mercados, investimentos e cooperação tecnológica. Essas quatro linhas de atuação reforçam-se mutuamente e lançam as bases para um relacionamento menos assimétrico com as grandes potências. Exemplo disso é o sucesso do G20, foro que congrega países em desenvolvimento na OMC e que já permitiu redirecionar a negociação da Rodada de Doha em sentido mais compatível com os interesses brasileiros e dos demais países em desenvolvimento. No campo político, o tema central é a reforma das Nações Unidas, particularmente do Conselho de Segurança, com a inclusão de membros permanentes oriundos do mundo em desenvolvimento. Neste momento, em que se observa a ampliação das atribuições do conselho para o combate ao terrorismo e às armas de destruição em massa, é indispensável que sua composição se torne mais próxima da configuração atual do sistema internacional, em que os países em desenvolvimento já não podem ser ignorados. A política externa brasileira, beneficiando-se do empenho do presidente Lula e da execução magistral do chanceler Celso Amorim, combina a superação de mitos negativos com o enfrentamento decidido de desafios. Atende, assim, aos interesses de nossa sociedade e constitui instrumento efetivo para o desenvolvimento nacional. José Mauricio Bustani, 59, diplomata, é o embaixador do Brasil em Londres. Foi diretor-geral da Opaq, Organização para a Proibição de Armas Químicas (1997-2002). Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Mauro Osorio da Silva: Sobre a crise carioca e fluminense Índice |
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