São Paulo, quinta-feira, 09 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre a crise carioca e fluminense

MAURO OSORIO DA SILVA

O momento eleitoral convida a uma reflexão sobre a situação econômico-social das diversas regiões brasileiras. Este artigo tem o propósito de discutir a existência de uma aguda crise no atual Estado do Rio de Janeiro, que leva, inclusive, a emergir proposições em defesa da desfusão dos territórios da cidade do Rio de Janeiro e do antigo Estado do Rio de Janeiro.
O núcleo econômico central do atual RJ, a cidade do Rio, constitui-se historicamente como porto, centro militar e eixo de logística nacional. Com a vinda da família real para o Brasil em 1808, consolida-se como cidade-capital, de acordo com o conceito desenvolvido pelo historiador Giulio Argan -de que, nos espaços nacionais, existem cidades que cumprem a função do "lugar da política e da cultura, como núcleo da sociabilidade intelectual e da produção simbólica, representando, cada uma a sua maneira, o papel de foco da civilização, núcleo da modernidade, teatro do poder e lugar de memória".


Com a consolidação do complexo cafeeiro em São Paulo, o Rio sofre um processo de perda de hegemonia econômica


Com a consolidação, a partir de 1880, do complexo cafeeiro em São Paulo, a cidade do Rio sofre um processo de perda de hegemonia econômica e, em 1920, já não é o principal centro industrial do país. No entanto, como eixo de poder, centro cultural e financeiro e sede de empresas públicas e privadas, a economia da região mantém expressivo crescimento. A partir de 1960, no entanto, a cidade perde seu principal fator gerador de dinamismo econômico: ser sede do poder federal. Da mesma forma, o antigo Estado do Rio pós-decadência cafeeira também é fortemente atingido, pois depende centralmente dos investimentos federais ali realizados e do dinamismo do seu núcleo central, a cidade do Rio de Janeiro. A percepção desse fenômeno, no entanto, só ocorre em 1980, no bojo da crise econômico-fiscal que se instaura no país e atinge sobremaneira a região em exame.
Entendo que a demora nessa percepção deve-se a que, pela história de capitalidade da cidade do Rio, os hábitos e as atenções nela construídos voltam-se fundamentalmente para a temática nacional, fazendo com que, para o carioca, nos dizeres de Arnaldo Niskier, os problemas locais venham a parecer "pálidos reflexos" dos problemas nacionais e que as reflexões sobre a região sejam bastante frágeis, no final dos anos 60 o povo carioca descobrindo que "só conhecia de si mesmo e de sua cidade a visão do turista apressado".
Isso contribui para que, não obstante a importante modernização na vida da cidade introduzida por Carlos Lacerda, e que tem continuidade com Negrão de Lima, os dois primeiros governos eleitos da Guanabara não estabeleçam uma estratégia regional consistente que dê conta da perda que se inicia em 1960. Essa questão está relacionada à visão que se tinha de que o Rio continuaria a ser a "capital de fato" e que o ponto central seria modernizá-lo, e, ainda, de que, do ponto de vista econômico, o central seria estabelecer uma política industrial baseada na criação de distritos industriais, conforme amplamente defendido pela representação patronal da Guanabara, o que resulta em fracasso.
Da mesma forma, os governos posteriores -tanto Chagas Freitas, ainda na Guanabara, quanto os governos pós-fusão- ou não definem uma estratégia adequada de desenvolvimento ou, simplesmente, elas inexistem. Por exemplo, o governo Faria Lima, inaugurado com a fusão, apesar de sua preocupação com uma correta gestão administrativa, explicita como prioridade, do ponto de vista econômico, o setor agrícola, o que me parece inconsistente devido à diminuta importância dessa atividade no novo Estado do Rio de Janeiro.
Por outro lado, do ponto de vista político, a cidade do Rio é brutalmente atingida pelos processos de cassações realizados pelos governos militares, tendo em vista o peso que tinha nessa cidade o PTB e a UDN, sendo que, no território carioca, a UDN vem a ser frontalmente atingida pelo rompimento de Lacerda com o regime pós-64. Nesse processo, Chagas Freitas e a política de clientela passam a ter na região um enorme peso, inclusive a governadora Rosinha Garotinho afirmando, recentemente, na mídia, que, após o chaguismo e o brizolismo, "por que não o garotismo?".
Isso resulta na deterioração da vida fluminense, expressa, por exemplo, no fato de o conjunto da região apresentar, no período 1970/2000, uma variação do PIB significativamente menor que as existentes em todas as demais unidades federativas (dados do IBGE); ou em ter ocorrido no Estado do Rio, entre 1985 e 2000, uma perda de empregos formais, no total das indústrias extrativa mineral e de transformação, de 42,19%, contra uma perda no Brasil de 6,30%; como, também, a menor ampliação de empregos do setor de serviços no quadro federativo, de 12,77%, contra um crescimento nacional de 36,88% (MT/Rais).
No período mais recente, 2000/2004, RJ apresenta um crescimento, para o total da indústria, equivalente ao brasileiro, tendo em vista o incremento do setor de petróleo. Mas, quando analisada somente a indústria de transformação, vê-se um crescimento de 5% contra uma taxa, para o país, de 15% (IBGE). Por outro lado, de acordo com dados apresentados pela Unesco no correr desta década, o Estado do Rio apresenta as maiores taxas de morte violenta para jovens entre 15 e 24 anos, entre todas as unidades federativas, e uma das piores taxas em termos de subnotificação de mortes ocorridas.

Mauro Osorio da Silva, 48, é professor de economia política da Faculdade Nacional de Direito da UFRJ.


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