|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
O voto nulo é útil para a democracia?
SIM
Votos fulos
CARLOS FERNANDO GALVÃO
A PALAVRA fulo que dizer "zangado", e irritar-se é uma forma
natural de se posicionar ante
um fato. Não designa, necessariamente, alienação. Até pelo contrário,
pode ser uma forma de protesto e de
ação eficaz, ao menos para quem opta
por ela, desde que seja fruto de uma
reflexão mesclada ao estado de revolta que levou a pessoa a indignar-se.
Não existe uma "não-comunicação", pois não falar nada ou nada fazer
é, per se, um ato comunicativo. O silêncio (o voto nulo não deixa de ser
uma espécie de "silêncio eleitoral")
tem sua eloqüência, como demonstra
o belo quadro "O Grito", de Münch,
ou como atesta a linda música "O som
do silêncio", de Simon e Garfunkel.
Assim, não posso deixar de estranhar o argumento -muito difundido,
inclusive pelo TSE- de que o voto nulo é um voto inconseqüente. O mesmo TSE nos faz saber que o eleitor
não tem o poder de anular uma eleição, ainda que o percentual de votos
nulos chegue a 80% -ou mais. Então,
anular o voto por quê?
Quem anula o voto está se posicionando com muita clareza diante do
que vê, ouve e lê todos os dias na imprensa. Onde está a inconseqüência
desse ato consciente?
Então a pessoa, ora chamada de "cidadã", em épocas eleitorais, ora denominada "contribuinte", entre as eleições, não tem o direito de se expressar pela zanga e revolta, pelo voto nulo? Cadê a democracia desse Estado
de Direito que coage muitos a votar, a
prestar serviço militar?
Esses são direitos inalienáveis da
cidadania e, portanto, não poderiam
ser deveres impostos por leis que nem
podemos contestar legalmente.
O voto, além de facultativo, pode,
sim, virar objeto não apenas de protesto mas também de uma ação efetiva, pois sua nulidade é, no mais das
vezes, para muito além do pouco interesse do eleitor, uma tomada consciente de posição. Quer dizer, é um
ato político dos mais legítimos.
Os poderes instituídos, públicos e
privados, é que têm de provar, no discurso e na prática, que não há a necessidade de votar nulo. Não podemos
continuar permitindo que a vontade
popular seja tolhida, a começar por
sua desqualificação.
Fala-se, por exemplo, que anular o
voto não o invalida, mas invalida o
próprio eleitor. Ora, quando vamos
parar de pensar e de falar pelos outros
e deixar que cada um decida o valor
que quer se dar? Também se argumenta que eleição é a escolha do menos pior. Então, estamos reduzidos a
escolher o ruim para não termos o
péssimo? Não há outro caminho? É
esse o legado obtuso que vamos deixar para nossos filhos?
Creio que eleição não pode mais ser
o acordo de cúpulas políticas e econômicas que tem sido. Temos, cidadãos,
de abrir espaço "a fórceps" no mundo
político para institucionalizarmos a
tão falada -mas muito pouco praticada- democracia participativa, sem
prescindir da representativa.
De quanto tempo as pessoas que já
têm anos de vida pública e os partidos
com décadas de estrada precisam para nos convencer de que vão fazer
aquilo que propõem a cada eleição e
não cumprem, como "discutir com a
sociedade"? Quando ouço isso, penso
sempre em arranjos de cúpula, ainda
que envolva uma pequena fatia de
trabalhadores organizados.
O filósofo francês Jean-Paul Sartre
dizia que menos importa o que fazem
ao homem; mais importa o que ele faz
do que fizeram com ele. E outro pensador importante, o escritor Oscar
Wilde, dizia que dois homens podem
olhar pela mesma janela: um vê lama,
e o outro, estrelas.
Nossas crises sociais não serão superadas pela ação da cúpula que nos
tem dominado desde que Cabral por
aqui aportou, mas pela ação de todos
nós, cidadãos e pessoas de bem, independentemente da ideologia.
Convido todos a começar um novo
tempo-espaço brasileiro, a partir de
um novo olhar que podemos lançar
sobre o que está acontecendo: não
vendo só a lama que nos atola os pés;
vendo também as estrelas que podemos alcançar se nos esforçarmos, solidariamente, para tanto.
Difícil, sem dúvida, mas não impossível. Acreditemos mais em nosso potencial. Em tempo: como acredito na
política participativa, mas também na
representativa, não vou anular meu
voto, mas respeito os que considerem
o voto nulo como opção e como instrumento de luta democrática.
CARLOS FERNANDO GALVÃO, 36, geógrafo, mestre em
ciência da informação (UFRJ), doutorando em ciências sociais (Uerj), é presidente da ONG Cidade Viva (RJ).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES André Franco Montoro Filho: Uma proposta sem propósito Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|