São Paulo, domingo, 09 de setembro de 2007

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Sumiço

Num momento em que se exige mais ética na vida pública, o cotidiano dos cidadãos também deve estar em pauta

GANHAR UM BILHÃO de reais da noite para o dia é sonho que poucos megaespeculadores internacionais se dão ao lazer de acalentar. Uma medida bastante simples, adotada pela Receita Federal neste ano, resultou entretanto em ganho dessa monta para os cofres públicos. Passou-se a exigir dos contribuintes que incluíssem, na sua declaração de renda, o CPF de seus dependentes maiores de 21 anos.
O resultado convida à reflexão. Cinco milhões de supostos dependentes, cujo nome se incluía nas declarações para fins de abatimento do imposto, simplesmente desapareceram de vista em 2007. Com isso, a Receita Federal arrecadou R$ 1 bilhão a mais do que no ano passado.
Existiam de fato esses dependentes declarados em 2006? Ou eram simplesmente entidades virtuais, coabitantes daquele inefável universo das empresas de fachada, dos fornecedores de notas fiscais, das reses e laranjas com que lidam tantos políticos hoje expostos, com excelentes motivos, à execração da opinião pública?
Certamente, num total de 23 milhões de declarantes do Imposto de Renda da Pessoa Física, 5 milhões de dependentes-fantasma perfazem um número capaz de arrepiar os cabelos até mesmo dos observadores mais complacentes com o famoso "jeitinho" brasileiro. Seria equivocado, entretanto, atribuir tal população apenas à famosa inventividade nacional no que tange à burla das disposições legais.
Ouvida pela reportagem, uma advogada tributarista argumentou que houve pouco tempo para que os contribuintes se adaptassem à nova medida; muitos só se deram conta da exigência no momento de fazer a declaração, não tendo à mão o CPF de seus dependentes. Provavelmente, segundo seu raciocínio, o número dos desaparecidos será menor a partir do ano que vem.
Esperemos que sim. Resta de todo modo saber quantos, desse total de 5 milhões, terão sido a prole de um tipo de atitude rotineira no Brasil: a de "levar vantagem em tudo" sempre que possível, e de orgulhar-se mais da própria astúcia do que do cumprimento à risca dos seus deveres de cidadão.
A exigência de ética na política está na ordem do dia, e há razões de sobra para que seja assim. Na escala cotidiana, todavia, não é difícil apontar exemplos de comportamento individual onde não prevalece o rigor que se exige da esfera pública.
Das falsas carteirinhas de estudante às aposentadorias forjadas no INSS, não há faixa da população onde não se verifiquem casos patentes de duplicidade moral -e, desse ângulo, os escândalos da vida pública constituem mais reflexo do que aberração. Não custa lembrar, entretanto, que no plano da ética social, ao contrário do que acontece com o Imposto de Renda, não estão previstos abatimentos, descontos ou isenções para ninguém.


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