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Sumiço
Num momento em que se exige mais ética na vida pública, o cotidiano dos cidadãos também deve estar em pauta
GANHAR UM BILHÃO de
reais da noite para o
dia é sonho que poucos
megaespeculadores
internacionais se dão ao lazer de
acalentar. Uma medida bastante
simples, adotada pela Receita
Federal neste ano, resultou entretanto em ganho dessa monta
para os cofres públicos. Passou-se a exigir dos contribuintes que
incluíssem, na sua declaração de
renda, o CPF de seus dependentes maiores de 21 anos.
O resultado convida à reflexão.
Cinco milhões de supostos dependentes, cujo nome se incluía
nas declarações para fins de abatimento do imposto, simplesmente desapareceram de vista
em 2007. Com isso, a Receita Federal arrecadou R$ 1 bilhão a
mais do que no ano passado.
Existiam de fato esses dependentes declarados em 2006? Ou
eram simplesmente entidades
virtuais, coabitantes daquele
inefável universo das empresas
de fachada, dos fornecedores de
notas fiscais, das reses e laranjas
com que lidam tantos políticos
hoje expostos, com excelentes
motivos, à execração da opinião
pública?
Certamente, num total de 23
milhões de declarantes do Imposto de Renda da Pessoa Física,
5 milhões de dependentes-fantasma perfazem um número capaz de arrepiar os cabelos até
mesmo dos observadores mais
complacentes com o famoso "jeitinho" brasileiro. Seria equivocado, entretanto, atribuir tal população apenas à famosa inventividade nacional no que tange à
burla das disposições legais.
Ouvida pela reportagem, uma
advogada tributarista argumentou que houve pouco tempo para
que os contribuintes se adaptassem à nova medida; muitos só se
deram conta da exigência no momento de fazer a declaração, não
tendo à mão o CPF de seus dependentes. Provavelmente, segundo seu raciocínio, o número
dos desaparecidos será menor a
partir do ano que vem.
Esperemos que sim. Resta de
todo modo saber quantos, desse
total de 5 milhões, terão sido a
prole de um tipo de atitude rotineira no Brasil: a de "levar vantagem em tudo" sempre que possível, e de orgulhar-se mais da própria astúcia do que do cumprimento à risca dos seus deveres
de cidadão.
A exigência de ética na política
está na ordem do dia, e há razões
de sobra para que seja assim. Na
escala cotidiana, todavia, não é
difícil apontar exemplos de comportamento individual onde não
prevalece o rigor que se exige da
esfera pública.
Das falsas carteirinhas de estudante às aposentadorias forjadas
no INSS, não há faixa da população onde não se verifiquem casos
patentes de duplicidade moral
-e, desse ângulo, os escândalos
da vida pública constituem mais
reflexo do que aberração. Não
custa lembrar, entretanto, que
no plano da ética social, ao contrário do que acontece com o Imposto de Renda, não estão previstos abatimentos, descontos
ou isenções para ninguém.
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